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Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Comentário geral Nº7 – Novembro 2018 –

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência*

9 de novembro de 2018

Comissão sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Comentário geral Nº7 (2018) sobre a participação das pessoas com deficiência, incluindo crianças com deficiência, através das suas organizações representativas, na implementação e monitorização da Convenção[1]

 

 I.  INTRODUÇÃO

  1. As pessoas com deficiência participaram plenamente e desempenharam um papel decisivo na negociação, elaboração e redação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. O contributo e o envolvimento ativo das pessoas com deficiência e das suas organizações teve um impacto positivo na qualidade da Convenção e na sua relevância para estas pessoas. Também demonstrou a força, a influência e o potencial das pessoas com deficiência, o que resultou num tratado sobre direitos humanos inovador e estabeleceu o modelo da deficiência baseado nos direitos humanos. A participação efetiva e significativa das pessoas com deficiência, através das organizações que as representam, é um dos pilares da Convenção. 
  2. A participação ativa e informada de todas as pessoas nas decisões que afetam as suas vidas e direitos está em consonância com o enfoque de direitos humanos nos processos de adoção de decisões da vida pública[2] e é uma garantia de boa governança e responsabilidade social[3]
  1. O princípio da participação na vida pública está estabelecido no artigo 21.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmado no artigo 25.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. A participação, como princípio e direito humano, é também reconhecida noutros instrumentos de direitos humanos, como no artigo 5.º (c) da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, artigo 7.º da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres e nos artigos 12.º e 23.º (1) da Convenção sobre os Direitos das Crianças. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece a participação como obrigação geral e como questão transversal. De facto, consagra a obrigação dos Estados Partes de consultar e colaborar de forma ativa com as pessoas com deficiência (art.4.º (3)) bem como a sua participação no processo de monitorização (art.33.º (3)) como parte de um conceito mais amplo de participação na vida pública[4]
  1. Por vezes, as pessoas com deficiência não são consultadas no processo de tomada de decisão sobre matérias com elas relacionadas ou que afetam as suas vidas, sendo estas decisões tomadas em seu nome. A consulta das pessoas com deficiência tem vindo a ser reconhecida como importante nas últimas décadas, graças ao aparecimento de movimentos de pessoas com deficiência que exigem o reconhecimento dos seus direitos humanos e o seu papel na determinação desses direitos. O lema “nada sobre nós sem nós” faz eco com a filosofia e história do movimento de pessoas com deficiência, baseado no princípio de uma participação genuína. 
  1. As pessoas com deficiência ainda enfrentam barreiras atitudinais, físicas, jurídicas, económicas, sociais e comunicacionais na participação na vida pública. Antes da entrada em vigor da Convenção, prescindia-se das opiniões das pessoas com deficiência em favor da sua representação por terceiros, como é o caso das organizações “para” pessoas com deficiência. 
  1. O processo de participação e envolvimento de pessoas com deficiência, através das organizações que as representavam, na negociação e redação da Convenção, provou ser um excelente exemplo da aplicação dos princípios da participação plena e efetiva, da autonomia pessoal e da liberdade para tomar as suas próprias decisões. O direito internacional dos direitos humanos reconhece, sem qualquer equívoco, as pessoas com deficiência “detentoras” de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais[5]
  1. Com base na sua jurisprudência, a Comissão entende clarificar, na presente observação geral as obrigações que incumbem aos Estados Partes em virtude dos artigos 4.º (3) e 33.º (3) e a forma de os cumprir. A Comissão nota o progresso feito pelos Estados Partes no último decénio para implementar a aplicação das disposições dos artigos 4.º (3) e 33.º (3), como garantir apoio financeiro ou outro tipo de assistência às organizações de pessoas com deficiências, incluindo pessoas com deficiência em estruturas de monitorização independentes como está previsto no artigo 33.º (2) da Convenção, e nos processos de acompanhamento. Além disso, alguns Estados consultaram-se com organizações de pessoas com deficiência na preparação dos seus relatórios iniciais e periódicos para a Comissão de acordo com os artigos 4.º (3) e 35.º (4). 
  1. No entanto, a Comissão nota que continua a existir uma importante lacuna entre os objetivos e o espírito dos artigos 4.º (3) e 33.º (3) por um lado e a grau da sua aplicação. Isto deve-se, entre outras questões, à falta de colaboração e de consultas substantivas com as pessoas com deficiência, através das organizações que os representam, no desenvolvimento e implementação das políticas e programas. 
  1. Os Estados Partes devem reconhecer o valor e a necessidade de envolver as pessoas com deficiência nos processos de tomada de decisão e assegurar a sua participação nestes processos, através das suas organizações representativas, levando em conta a sua experiência e o seu conhecimento dos direitos a serem aplicados. Os Estados Partes também devem levar em consideração os princípios gerais da Convenção em todas as suas medidas para assegurar a sua implementação e monitorização, e promover a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os seus objetivos.

 II.    Conteúdo normativo do parágrafo 3 do artigo 4.º e do parágrafo 3 do artigo 33.º

  A.       Definição da expressão « organizações que as representam »     

10. A associação e participação das pessoas com deficiência, através das suas “organizações representativas” ou organizações de pessoas com deficiência, são inerentes tanto ao artigo 4.º, parágrafo 3, quanto ao artigo 33.º, parágrafo 3. Para uma implementação adequada, é importante que os Estados Partes e as partes interessadas definam as atribuições das organizações de pessoas com deficiência e levem em conta a sua diversidade. 

  1. A Comissão considera que as organizações de pessoas com deficiência devem basear-se nos princípios e direitos consagrados na Convenção, estarem plenamente comprometidas com eles e comprometerem-se a respeitá-los integralmente. Estas organizações são obrigatoriamente conduzidas, dirigidas e governadas por pessoas com deficiência[6]. Os seus membros são principalmente pessoas com deficiência. As organizações de mulheres com deficiência, crianças com deficiência e pessoas vivendo com HIV/SIDA são organizações de pessoas com deficiência segundo a Convenção. As organizações de pessoas com deficiência têm determinadas características, que incluem:
    a)  São criadas principalmente com o objetivo de agir coletivamente, de expressar, promover, implementar ou defender os direitos das pessoas com deficiência e, de uma maneira geral, devem ser reconhecidas como tal;
    b)  Empregam pessoas com deficiência e são representadas por pessoas com deficiência, a quem confiam este mandato por nomeação ou por eleição;
    c)  Não são filiados, na maioria dos casos, em nenhum partido político e são independentes das autoridades públicas e de qualquer outra organização não-governamental da qual possam fazer parte ou serem membros;
    d)  Podem representar um ou mais grupos de pessoas com a mesma deficiência, ou podem estar abertos à participação de todas as pessoas com deficiência;
    e) Representam grupos de pessoas com deficiência de acordo com vários critérios (género, sexo, raça, idade, estatuto de migrante ou refugiado, por exemplo). Podem incluir grupos de pessoas com base em características relacionadas com a sua identidade (por exemplo, crianças, mulheres ou pessoas aborígenes com deficiência) e incluir membros com várias deficiências;
    f)  Podem ter âmbito local, nacional, regional ou internacional ;
    g)  Podem funcionar como organizações individuais, organizações coordenadores ou que englobem pessoas com diversos tipos de eficiência, com o objetivo de fazer ouvir a voz das pessoas com deficiência de forma colaborativa e coordenada nas suas interações com entidades públicas, organizações internacionais ou entidades privadas, entre outras. 
  1. Entre os diferentes tipos de organizações de pessoas com deficiência que a Comissão recenseou, figuram as seguintes : 
  • a)  Organizações coordenadoras de pessoas com deficiência, que são coligações de organizações que representam pessoas com deficiência. Idealmente, deve haver apenas uma ou duas organizações chapéu-de-chuva em cada nível de tomada de decisão. Para serem abertas, democráticas e plenamente representativas da grande diversidade de pessoas com deficiência, devem aceitar como membro qualquer organização de pessoas com deficiência. Devem ser organizadas, dirigidas e controladas por pessoas com deficiência. Falam apenas em nome de suas organizações membros e apenas em questões de interesse mútuo e decidido coletivamente. No entanto, não podem representar pessoas com deficiência a nível individual porque podem carecer de conhecimentos detalhados sobre a sua situação pessoal. As organizações de pessoas com deficiência que representam comunidades concretas estão em melhor posição para desempenhar esse papel. No entanto, as pessoas com deficiência devem ser capazes de decidir por si próprias que organizações podem representá-las. A existência de organizações de cúpula nos Estados Partes não deve, de modo algum, impedir que pessoas ou organizações de pessoas com deficiência participem em consultas ou outras formas de promoção dos interesses das pessoas com deficiência;
    b)  Organizações que representam vários tipos de deficiência, compostas por pessoas que representam toda ou parte da grande diversidade de deficiências. São organizados com maior frequência a nível local ou nacional, mas também podem existir a nível regional ou internacional;
    c)  Organizações de auto-representação, representando pessoas com deficiência em diferentes redes e plataformas, muitas vezes não estruturadas e de âmbito local. Defendem os direitos das pessoas com deficiência, especialmente pessoas com deficiência intelectual. A sua criação, com apoio apropriado e por vezes amplo, para que os seus membros expressem as suas opiniões, é de importância fundamental para a participação na vida política e nos processos de tomada de decisões, monitorização e implementação. Isto é particularmente importante para pessoas que são impedidas de exercer a sua capacidade legal, estão institucionalizadas ou privadas do direito de voto. Em muitos países, as organizações de auto-representação enfrentam discriminação que se manifesta na negação do estatuto legal com base em leis e regulamentos que negam a capacidade legal dos seus membros;
    d)  Organizações que incluam membros da família ou pais de pessoas com deficiência, que são essenciais para facilitar, promover e garantir os interesses dos seus entes queridos com deficiências intelectuais ou demência ou com crianças com deficiência, e para apoiar a sua independência e participação ativa, quando esses grupos de pessoas com deficiência desejem ser apoiados pelas suas famílias sob a forma de organizações ou redes. Nesses casos, essas organizações devem estar envolvidas nos processos de consulta, tomada de decisão e monitorização. O papel dos pais, familiares e cuidadores nessas organizações deve ser o de ajudar as pessoas com deficiência e capacitá-las a fazer com que suas vozes sejam ouvidas e a assumir total responsabilidade pelas suas próprias vidas. Essas organizações devem promover e utilizar ativamente os processos de apoio à tomada de decisão para assegurar e respeitar o direito das pessoas com deficiência a serem consultadas e a expressarem as suas próprias opiniões;
    e)  Organizações de mulheres e meninas com deficiência, que representam mulheres e meninas com deficiência como um grupo heterogêneo. Na sua diversidade, as mulheres e meninas com deficiência podem ter todo o tipo de deficiência[7]. É essencial garantir a participação das mulheres e meninas com deficiência em consultas sobre questões específicas que as afetam exclusivamente ou desproporcionalmente, bem como questões relativas a mulheres e meninas em geral, tais como as políticas de igualdade de género;
    f)  As organizações e iniciativas de crianças e jovens com deficiência são fundamentais para a participação das crianças na vida pública e comunitária e para o respeito pelo seu direito a serem ouvidas e pela sua liberdade de expressão e associação. Os adultos têm um papel de apoio essencial na promoção de um ambiente propício para as crianças e jovens com deficiência estabelecerem as suas próprias organizações e iniciativas e atuarem através delas, formal ou informalmente, inclusive através da cooperação com adultos e com outras crianças e outros jovens. 

    B.   Distinção entre organizações de pessoas com deficiência e outras organizações da sociedade civil

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    .   Devem distinguir-se as organizações de pessoas com deficiência das organizações “para” pessoas com deficiência que prestam serviços e/ou defendem os interesses das pessoas com deficiência em seu nome, o que na prática pode dar origem a um conflito de interesses, se essas organizações colocam os seus próprios objetivos à frente dos direitos das pessoas com deficiência. Os Estados Partes devem dar especial importância aos pontos de vista das pessoas com deficiência, através das organizações que os representam, fortalecendo a capacidade e a capacitação das pessoas com deficiência e garantir que seja dada prioridade à sua opinião nos processos de tomada de decisão[8]
  1. Também se deve distinguir as organizações de pessoas com deficiência doutras organizações da sociedade civil. O termo “organização da sociedade civil” compreende diferentes tipos de organizações, tais como organizações e institutos de investigação, organizações de prestadores de serviços e outros interessados de carácter privado. As organizações de pessoas com deficiência são um tipo concreto de organização da sociedade civil. Podem ser parte de uma organização geral da sociedade civil ou de coligações que não defendem especificamente os direitos das pessoas com deficiência, mas podem apoiar a inclusão destes direitos na agenda dos direitos humanos. Nos termos do n.º 3 do artigo 33.º, todas as organizações da sociedade civil, incluindo as organizações de pessoas com deficiência, têm um papel a desempenhar no acompanhamento da implementação da Convenção. Os Estados Partes devem dar prioridade aos pontos de vista das organizações de pessoas com deficiência nas questões com estas relacionadas e estabelecer metas para que as organizações da sociedade civil e outras partes interessadas consultem as organizações de pessoas com deficiência e as envolvam no seu trabalho sobre os direitos consagrados na Convenção e noutras matérias, como a não-discriminação, a paz e os direitos ambientais.

 

C.   Âmbito do nº3 do artigo 4. º

 

  1. No cumprimento das obrigações previstas no artigo 4.º, parágrafo 3, os Estados Partes devem incluir a obrigação de consultar e envolver ativamente as pessoas com deficiência, através das suas organizações nos quadros e procedimentos jurídicos e regulamentares a todos os níveis e em todos os ramos da administração pública. Os Estados Partes também devem considerar a consulta e a participação das pessoas com deficiência como uma medida obrigatória antes da aprovação de leis, regulamentos e políticas, sejam elas gerais ou relativas à deficiência. Portanto, as consultas devem começar nos estádios iniciais e contribuir para o produto final em todos os processos de tomada de decisão. As consultas devem incluir organizações que representem a grande diversidade de pessoas com deficiência ao nível local, nacional, regional e internacional. 
  1. Todas as pessoas com deficiência, sem qualquer forma de discriminação com base no tipo de deficiência que apresentem, tal como as pessoas com deficiência psicossocial ou intelectual, podem participar eficaz e plenamente, sem discriminação e em igualdade de condições com os outros[9]. O direito de participar nas consultas, por intermédio das organizações que os representam, deve ser reconhecido a todas as pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com os demais, independentemente, por exemplo, de sua orientação sexual e identidade de género. Os Estados Partes devem adotar um quadro geral de luta contra a discriminação, a fim de garantir os direitos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência, e revogar toda a legislação que criminalize pessoas ou organizações de pessoas com deficiência com base no seu género, sexo ou estatuto social dos seus membros e os privem do direito de participar na vida política e pública. 
  1. A obrigação legal que incumbe aos Estados Partes de assegurar que as consultas sejam realizadas com organizações de pessoas com deficiência inclui o acesso aos espaços públicos de decisão e estende-se a outros domínios de pesquisa, desenho universal, parcerias, delegação de poderes e controle do cidadão[10]. Além disso, esta obrigação inclui as organizações internacionais e regionais de pessoas com deficiência.

 1.   Questões relativas às pessoas com deficiência

 

  1. A expressão “sobre as questões relativas a pessoas com deficiência”, conforme estabelecido no artigo 4.º, parágrafo 3.º, cobre toda a gama de medidas legislativas, administrativas e outras suscetíveis de ter uma incidência direta ou indireta sobre os direitos das pessoas com deficiência. A interpretação ampla das questões da deficiência permite que os Estados Partes integrem a deficiência nas suas políticas inclusivas, garantindo que as pessoas com deficiência sejam consideradas em igualdade de condições com as demais. Também garante que o conhecimento e as experiências de vida das pessoas com deficiência sejam levados em conta ao decidir sobre novas medidas legislativas, administrativas e outras. Isto aplica-se a processos de tomada de decisão em áreas como as leis gerais, orçamento público ou leis específicas para pessoas com deficiência que possam afetar as suas vidas[11].

  2. As consultas previstas no artigo 4. º, parágrafo 3.º, excluem todo o contacto ou prática dos Estados Partes que não seja compatível com a Convenção e com os direitos das pessoas com deficiência. Em caso de diferendo sobre o impacto direto ou indireto das medidas em consideração, cabe às autoridades públicas dos Estados Partes provar que o assunto em questão não teria um efeito desproporcionado sobre as pessoas com deficiência e, como consequência, não era requerida nenhuma consulta. 
  1. A desinstitucionalização, a proteção social e as politicas relativas a pensões relacionadas com a deficiência, a assistência pessoal, os padrões de acessibilidade e as políticas de adaptações razoáveis são exemplos de problemas que afetam diretamente as pessoas com deficiência. As medidas que afetam indiretamente as pessoas com deficiência podem estar relacionadas com o direito constitucional, os direitos eleitorais, o acesso à justiça, a nomeação de autoridades administrativas responsáveis por políticas de deficiência ou políticas públicas nos campos da educação, saúde, trabalho e emprego.

 2.  “Consultar estreitamente e colaborar ativamente”

  1. A “realização de consultas estreitas e a colaboração ativa” com pessoas com deficiência, por meio das organizações que as representam, é uma obrigação decorrente do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que exige o reconhecimento da capacidade jurídica de todas as pessoas para participar nos processos de tomada de decisão com base na sua autonomia pessoal e autodeterminação. A consulta e a colaboração nos processos de tomada de decisão para implementar a Convenção, bem como em outros processos de tomada de decisão, devem incluir todas as pessoas com deficiência e, quando necessário, regimes de apoio para a tomada de decisões. 
  1. Os Estados Partes devem contactar, consultar e colaborar sistemática e abertamente, de maneira substantiva e oportuna, as organizações de pessoas com deficiência. Isto requer ter acesso a todas as informações relevantes, incluindo as páginas Web de órgãos públicos, em formatos digitais acessíveis e adaptações razoáveis, quando necessário, como interpretação em língua gestual, textos em leitura fácil e linguagem clara, braille e comunicação tátil. As consultas abertas dão às pessoas com deficiência acesso a todos os espaços de tomada de decisão na esfera pública em igualdade de condições com os demais, incluindo os fundos nacionais e todos os órgãos de decisão pública competentes para a aplicação e monotorização da Convenção. 
  1. As autoridades públicas devem considerar, com a devida atenção e prioridade, as opiniões e perspetivas das organizações de pessoas com deficiência quando examinam questões diretamente relacionadas com essas pessoas. As autoridades públicas que dirigem os processos de decisão têm o dever de informar as organizações de pessoas com deficiência dos resultados desses processos, incluindo dar uma explicação clara, em formato acessível das conclusões, as considerações e as razões que sustentam as decisões relativamente à maneira como as suas opiniões foram tidas em consideração e por quê.


 3.      Inclusão das crianças com deficiência

 

  1. O parágrafo 3.º do Artigo 4.º, também reconhece a importância de “incluir crianças com deficiência”, de maneira sistemática, através de organizações de crianças com deficiência ou que apoiam essas crianças, aquando da elaboração e aplicação de legislação e políticas para implementar a Convenção, bem como noutros processos de tomada de decisão. Estas organizações são essenciais para facilitar, promover e garantir a autonomia pessoal e a participação ativa das crianças com deficiência. Os Estados Partes devem criar um ambiente favorável ao estabelecimento e funcionamento de organizações representativas de crianças com deficiência, como parte da sua obrigação de defender o direito à liberdade de associação, inter alia através de recursos adequados de apoio. 
  1. Os Estados Partes devem adotar leis e regulamentos, e desenvolver programas para assegurar que todos entendam e respeitem a vontade e preferências das crianças, e levem em consideração a sua evolução pessoal em todos os momentos. O reconhecimento e promoção do direito à autonomia individual é de suma importância para que todas as pessoas com deficiência, incluindo crianças, sejam respeitadas como titulares de direitos[12]. As crianças com deficiência estão em melhor posição para exprimir as suas próprias necessidades e experiências e o que é necessário para desenvolver legislação e programas apropriados que estejam conformes com a Convenção. 
  1. Os Estados Partes podem organizar seminários ou reuniões nos quais as crianças com deficiência são convidadas a expressar os seus pontos de vista. Também podem dirigir às crianças com deficiência um convite permanente para enviar um texto sobre tópicos específicos, incentivando-as a falar sobre as suas experiências ou expectativas pessoais. Esses textos poderiam ser resumidos e incluídos diretamente nos processos de tomada de decisão, como contribuições das próprias crianças.

 4.   Participação plena e efetiva

 

  1. “Participação plena e efetiva” (Artigo 3.º c) na sociedade refere-se à colaboração com todas as pessoas, incluindo pessoas com deficiência, a fim de que sintam que pertencem à sociedade e fazem parte dela. Inclui encorajá-los e fornecer-lhes apoio adequado, incluindo apoio de seus pares e apoio para participar da sociedade, bem como não estigmatizá-las e fazê-las sentirem-se seguras e respeitadas quando falam em público. A participação plena e efetiva exige que os Estados Partes facilitem a participação e consulta de pessoas com deficiência que representem a grande diversidade de deficiências. 
  1. O direito de participar é um direito civil e político e uma obrigação de aplicação imediata, sem sujeição a quaisquer restrições orçamentais e diz respeito aos processos de tomada de decisão, implementação e monitorização da Convenção. A garantia da participação de organizações de pessoas com deficiência em cada uma dessas etapas permitiria às pessoas com deficiência identificar e assinalar melhor as medidas suscetíveis de promover ou impedir o exercício de seus direitos, o que, em última instância daria melhores resultados nesses processos de decisão. A participação plena e efetiva deve ser entendida como um processo e não como um acontecimento pontual e isolado[13]
  1. A participação de pessoas com deficiência na implementação da Convenção e na monitorização da sua implementação é possível quando estas puderem exercer os seus direitos de liberdade de expressão, reunião pacífica e associação, consagrados nos artigos 19.º, 21.º e 22.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Às pessoas com deficiência e às organizações que as representam e que participam nos processos públicos de tomada de decisão para implementar e monitorizar a implementação da Convenção deve ser reconhecido o seu papel de defensores dos direitos humanos[14] e devem ser protegidos contra a intimidação, assédio e retaliação, especialmente quando expressam pontos de vista diferentes. 
  1. O direito de participar engloba igualmente as obrigações relativas ao direito às devidas garantias processuais e o direito a ser ouvido. Os Estados Partes que consultam de perto as organizações de pessoas com deficiência e as envolvem ativamente na tomada de decisões públicas, também garantem o direito das pessoas com deficiência de participar plena e efetivamente da vida pública e política, incluindo o direito a votarem e a serem eleitas (artigo 29.º da Convenção). 
  1. A participação plena e efetiva pressupõe a inclusão de pessoas com deficiência nos vários órgãos de decisão, a nível local, regional, nacional e internacional, e em instituições nacionais de direitos humanos, comissões ad hoc, conselhos e organizações regionais ou municipais. Os Estados Partes devem reconhecer na sua legislação e prática que qualquer pessoa com deficiência pode ser nomeada ou eleita para qualquer órgão representativo: por exemplo, assegurando que se nomeiem pessoas com deficiência para conselhos municipais ou órgãos ou como responsáveis dos direitos das pessoas com deficiência nas instituições nacionais de direitos humanos. 
  1. Os Estados Partes devem fortalecer a participação das organizações de pessoas com deficiência ao nível internacional, como no Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável e nos mecanismos regionais e universais de direitos humanos. Assim, a participação de pessoas com deficiência, por meio das organizações que as representam, resultará numa maior eficácia e na utilização igual dos recursos públicos e, por conseguinte, em melhores resultados para essas pessoas e para as suas comunidades. 
  1. Uma participação plena e efetiva pode igualmente ser uma ferramenta de transformação social e para promover a ação e a autonomia das pessoas. A participação das organizações de pessoas com deficiência em todas as formas de tomada de decisões reforça a capacidade destas pessoas para defender os seus interesses e para negociar e permite-lhes exprimir as suas opiniões com mais firmeza, realizar as suas aspirações e falar a uma só voz expressando a sua diversidade. Os Estados Partes devem assegurar a participação plena e efetiva das pessoas com deficiência, através das organizações que as representam, como medida para assegurar a sua inclusão na sociedade e a combater a discriminação de que são alvo. Os Estados Partes que asseguram a participação plena e efetiva das organizações de pessoas com deficiência e que colaboram com elas melhoram a transparência e reforçam o princípio da responsabilidade, tornando-as mais capazes de responder às necessidades das pessoas com deficiência[15].

 

D.       Artigo 33. º : Participação da sociedade civil na implementação e monitorização da aplicação a nível nacional

 

  1. O artigo 33.º da Convenção estabelece mecanismos nacionais de aplicação e estruturas independentes de monitorização e a participação das organizações de pessoas com deficiência nesses órgãos. O artigo 33.º deve ser lido e interpretado como um complemento ao parágrafo 3 do artigo 4.º.

  2. O Artigo 33.º, parágrafo 1, exige que os Estados Partes designem um ou mais pontos de contacto ou mecanismo de coordenação para assegurar a implementação da Convenção e facilitar as medidas conexas. A Comissão recomenda que os pontos de contacto e os mecanismos de coordenação dos Estados incluam representantes de organizações de pessoas com deficiência e prevejam procedimentos formais de colaboração e diálogo com essas organizações, nos processos de consulta relativos à Convenção. 
  1. À luz do parágrafo 2º do artigo 33.º, a Comissão reconheceu a importância de estabelecer, manter e promover mecanismos de monitorização independentes, entre eles instituições nacionais de direitos humanos, em todas as etapas do processo de monitorização[16]. Estas instituições desempenham um papel fundamental no processo de monitorização da implementação da Convenção, promovendo o cumprimento dessas disposições ao nível nacional e promovendo a coordenação das atividades dos agentes nacionais, incluindo instituições públicas e instituições da sociedade civil, a fim de proteger e promover os direitos humanos. 
  1. O Artigo 33, parágrafo 3, enfatiza a obrigação dos Estados Partes de assegurar que a sociedade civil esteja envolvida e seja capaz de participar no mecanismo de monitorização independente estabelecido na Convenção. A participação da sociedade civil deve estender-se às pessoas com deficiência, através das organizações que as representam. 
  1. Os Estados Partes devem assegurar que os mecanismos independentes de monitorização possibilitem, facilitem e garantam a participação ativa das organizações de pessoas com deficiência nos seus dispositivos e processos, mediante mecanismos formais, assegurando que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas nos seus relatórios e nas análises realizadas. A inclusão de organizações de pessoas com deficiência no mecanismo independente de monitorização e a sua associação nos trabalhos relacionados pode assumir várias formas, como por exemplo, a nomeação para o conselho de administração ou em órgãos de consulta dos mecanismos de monitorização independentes. 
  1. O Artigo 33.º, parágrafo 3, implica o dever dos Estados Partes de apoiar e financiar o fortalecimento das capacidades da sociedade civil, em particular das organizações de pessoas com deficiência, para assegurar a sua participação efetiva nas atividades dos mecanismos independentes de monitorização. As organizações de pessoas com deficiência devem dispor de recursos suficientes, incluindo financiamento independente e por elas gerido, para participar nos mecanismos independentes de monitorização e garantir que sejam consideradas as adaptações razoáveis e que os padrões de acessibilidade sejam respeitados. O apoio e o financiamento das organizações de pessoas com deficiência, de acordo com o parágrafo 3 do artigo 33.º, complementam mas não excluem as obrigações dos Estados Partes, de acordo com o parágrafo 3 do artigo 4.º da Convenção. 
  1. A Convenção e as estratégias de implementação com ela relacionadas devem ser traduzidas, tornadas acessíveis e disponibilizadas às pessoas que representam a ampla variedade de deficiências. Os Estados Partes devem proporcionar às pessoas com deficiência acesso a informações que lhes permitam compreender e avaliar as questões envolvidas no processo de tomada de decisão e disponibilizar informações úteis. 
  1. Para fins da aplicação do artigo 33.º, parágrafo 3, os Estados Partes devem assegurar que as organizações de pessoas com deficiência possam aceder facilmente aos pontos de contacto governamentais e/ou ao mecanismo de coordenação.


    III.    Obrigações dos Estados Partes 

  1. Nas suas observações finais, a Comissão lembrou aos Estados Partes a sua obrigação de consultar estreitamente e em tempo útil e de envolver ativamente as pessoas com deficiência através das suas organizações representativas, incluindo aquelas que representam mulheres e crianças com deficiência, no desenvolvimento e implementação de leis e políticas para a implementação da Convenção e no quadro de outros processos de tomada de decisão. 
  1. Os Estados Partes têm a obrigação de garantir a transparência dos processos de consulta, assegurar informação adequada e acessível e fomentar a participação contínua desde o início e ao longo desses processos. Os Estados Partes devem abster-se de ocultar informações e de restringir a participação das organizações de pessoas com deficiência nem impedir que expressem livremente os seus pontos de vista durante as consultas e durante os processos de tomada de decisão. Isso inclui tanto organizações registadas como não registadas, de acordo com o direito à liberdade de associação, que deve ser consagrado na lei e deve fornecer proteção igual para as associações que não são registadas[17]
  1. Os Estados Partes não devem impor como condição prévia para a participação das organizações de pessoas com deficiência nos processos de consulta alargados que essas organizações tenham sido previamente registadas. No entanto, devem assegurar que as organizações de pessoas com deficiência tenham os meios para proceder ao registo e exercer o seu direito de participação, conforme consagrado no parágrafo 3 do artigo 4.º e no parágrafo 3 do artigo 33.º da Convenção, assegurando sistemas de registo gratuitos e acessíveis e facilitar esse registo[18]
  1. Os Estados Partes devem assegurar que todos os equipamentos e procedimentos relacionados com a tomada de decisões e consultas públicas sejam acessíveis a pessoas com deficiência. Devem tomar medidas apropriadas para garantir às pessoas com deficiência, incluindo pessoas com autismo, acesso igual ao ambiente físico, o que inclui os edifícios, transportes, educação, informação e comunicações na sua própria língua, e também a novas tecnologias e sistemas informáticos, bem como às páginas oficiais de entidades públicas, e outros equipamentos e serviços abertos ou fornecidos ao público, tanto nas zonas rurais com como nas áreas urbanas. Os Estados Partes devem assegurar que os processos de consulta sejam acessíveis – por exemplo, assegurando serviços de interpretação em língua gestual, materiais em Braille e materiais em linguagem fácil – e devem disponibilizar apoio, financiamento e adaptações razoáveis[19] quando solicitadas, para garantir a participação dos representantes de todas as pessoas com deficiência nos processos de consulta, conforme definido nos parágrafos 11, 12 e 50. 
  1. Devem ser disponibilizados, assistentes e pessoas de apoio nas reuniões, informação em formatos acessíveis (linguagem e escrita fácil, sistemas de comunicação aumentativos e pictogramas de comunicação), serviços de interpretação em língua gestual, guia-intérpretes para surdos-cegos e / ou legendagem de sessões em debates públicos[20] às organizações de pessoas com deficiência sensorial e intelectual, incluindo organizações de auto-representantes e organizações de pessoas com deficiência psicossocial. Os Estados Partes também devem alocar recursos financeiros adequados para cobrir os custos de participação dos representantes de organizações de pessoas com deficiência, incluindo despesas de viagem e outras despesas necessárias, nas reuniões dos processos de consulta ou de outra natureza. 
  1. As consultas com organizações de pessoas com deficiência devem basear-se na transparência, no respeito mútuo, no diálogo genuíno e na vontade sincera de alcançar um acordo coletivo sobre procedimentos que respondam à diversidade das pessoas com deficiência. Devem ser definidos prazos razoáveis e realistas tendo em consideração a natureza das organizações de pessoas com deficiência, cujo funcionamento depende frequentemente de “voluntários”. Os Estados Partes deveriam realizar avaliações periódicas do funcionamento dos seus mecanismos de participação e consulta, envolvendo ativamente as organizações de pessoas com deficiência[21]
  1. A opinião das pessoas com deficiência, transmitida pelas organizações que as representam, deve ser devidamente considerada. Os Estados Partes devem assegurar que ouvir os pontos de vista destas pessoas não é simplesmente uma formalidade ou um gesto simbólico[22]. Devem levar em conta os resultados dessas consultas e incorporá-las nas decisões adotadas[23], mantendo os participantes informados do resultado do processo[24]
  1. Os Estados Partes devem, em estreita e efetiva consulta com as organizações de pessoas com deficiência, implementar mecanismos e procedimentos apropriados e transparentes, em todos os setores e a todos os níveis do Estado, levando expressamente em consideração os pontos de vista destas organizações quando se trate de justificar uma decisão pública. 
  1. Os Estados Partes devem assegurar a consulta estreita e a integração ativas das organizações de pessoas com deficiência, que representam todas as pessoas com deficiência, incluindo, mas não se limitando, a mulheres, idosos, crianças, as pessoas que necessitam de um elevado nível de assistência[25], vítimas de minas terrestres, migrantes, refugiados, requerentes de asilo, pessoas deslocadas internamente, migrantes indocumentados e apátridas, pessoas com deficiências psicossociais reais ou aparentes, pessoas com deficiências intelectuais, pessoas com neurodiversidade, incluindo com autismo ou demência, com albinismo ou lepra, ou com deficiências físicas permanentes, dor crónica ou deficiência visual e pessoas que são surdas, surdas/cegas ou com deficiência auditiva, ou vivem com VIH / SIDA. A obrigação dos Estados Partes para envolver as organizações de pessoas com deficiência também inclui as pessoas com deficiência que têm uma orientação sexual ou identidade de género particular, as pessoas intersexuais com deficiência e pessoas com deficiência pertencentes a povos indígenas, minorias nacionais, étnicas, religiosas ou linguísticas, bem como as que vivem em áreas rurais. 
  1. Os Estados Partes devem proibir as práticas discriminatórias ou de outra índole exercidas por terceiros, tais como prestadores de serviços, que interfiram direta ou indiretamente com o direito das pessoas com deficiência de serem consultadas de perto e envolvidas ativamente nos processos de tomada de decisão relacionados com a Convenção. 
  1. Os Estados Partes devem adotar e implementar leis e políticas para assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer o seu direito de serem consultadas e não sejam impedidas de colaborarem com outras pessoas. Estas medidas incluem a consciencialização dos membros da família, prestadores de serviços e funcionários públicos sobre os direitos das pessoas com deficiência de participar da vida política e pública. Os Estados Partes devem implementar mecanismos para denunciar os conflitos de interesses de representantes de organizações de pessoas com deficiência ou outras partes interessadas, a fim de evitar os seus impractos negativos na autonomia, vontade e preferências das pessoas com deficiência. 
  1. Para cumprir as obrigações decorrentes dos termos do parágrafo 3.º do artigo 4.º, os Estados Partes devem adotar quadros e procedimentos jurídicos que assegurem a plena participação das pessoas com deficiência, em igualdade com os outros, através das organizações que os representam, nos processos de tomada de decisão e no desenvolvimento de leis e políticas que abordem questões da deficiência, incluindo legislação, políticas, estratégias e planos de ação relacionadas com a deficiência. Os Estados Partes devem adotar disposições que prevejam assentos para os representantes organizações de pessoas com deficiência em comissões permanentes ou em equipas especiais constituídas a título provisório, outorgando-lhes o direito de designar os membros para estes órgãos. 
  1. Os Estados Partes devem estabelecer e regulamentar procedimentos formais de consulta, como a planificação de inquéritos, reuniões e outras disposições, o estabelecimento de cronogramas apropriados, a colaboração das organizações de pessoas com deficiência desde os primeiros estágios e a divulgação prévia, oportuna e abrangente das informações relevantes para cada processo. Os Estados Partes devem, em consulta com organizações de pessoas com deficiência, desenvolver ferramentas on-line para consulta e / ou adotar métodos alternativos de consulta em formatos digitais acessíveis. A fim de assegurar que ninguém seja deixado para trás em relação aos processos de consulta, os Estados Partes devem designar pessoas responsáveis ​​por prestar assistência, detetar grupos sub-representados e garantir que os requisitos de acessibilidade sejam atendidos. Devem também assegurar que as organizações de pessoas com deficiência que representam todos os grupos participem sejam associadas e consultadas, nomeadamente prestando informações sobre requisitos de acessibilidade e adaptações razoáveis. 
  1. Os Estados Partes devem garantir a consulta e o envolvimento das organizações de pessoas com deficiência quando procedam a estudos e análises prévias à formulação das políticas. As instâncias e os processos públicos de avaliação das propostas de políticas devem ser plenamente acessíveis para que as pessoas com deficiência possam participar. 
  1. Os Estados Partes devem assegurar que a participação das organizações de pessoas com deficiência em processos de monitorização, por meio de estruturas de monitorização independentes, se baseie em procedimentos claros, prazos apropriados e divulgação prévia de informações relevantes. Os mecanismos de monitorização e avaliação devem examinar o nível de participação das organizações de pessoas com deficiência em todas as políticas e programas e garantir que seja dada prioridade às opiniões expressas pelas pessoas com deficiência. Para cumprir a sua responsabilidade principal de prestação de serviços, os Estados Partes devem estudar o modo de colaborar com as organizações de pessoas com deficiência, visando recolher contributos dos próprios utilizadores dos serviços[26]
  1. Os Estados Partes devem, preferencialmente, incentivar a criação de uma coligação única e diversificada, representativa das organizações de pessoas com deficiência, abrangendo todas as categorias de deficiência e respeitando a sua diversidade e igualdade de género e devem assegurar que esta coligação esteja envolvida na monitorização e implementação da Convenção a nível nacional. As organizações da sociedade civil em geral não podem representar as organizações de pessoas com deficiência ou reproduzir as suas atividades[27]
  1. A promoção da capacidade de auto-representação e a capacitação das pessoas com deficiência são aspetos fundamentais para a sua participação nos assuntos públicos; requerem a aquisição de competências técnicas, administrativas e de comunicação, bem como a facilitação do acesso a informações e instrumentos relacionados com os seus direitos, à legislação e à formulação de políticas. 
  1. As barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência para ter acesso a uma educação inclusiva comprometem as suas possibilidades e prejudicam a sua capacidade de participação na tomada de decisões públicas, o que, por sua vez, afeta a capacidade institucional das suas organizações. As barreiras dos transportes públicos, a falta de adaptações razoáveis, bem como os baixos salários e a elevada taxa de desemprego também limitam a sua capacidade de participar nas atividades da sociedade civil. 
  1. Os Estados Partes devem fortalecer a capacidade de participação das organizações de pessoas com deficiência em todas as etapas do desenvolvimento de políticas, reforçando a formação sobre o modelo de deficiência baseado nos direitos humanos, através de financiamento independente. Os Estados Partes também devem apoiar as pessoas com deficiência e as organizações que as representam na aquisição das competências, conhecimentos e qualificações necessárias para defender com toda a independência a sua participação plena e efetiva na sociedade e os princípios de uma governação democrática, como o respeito pelos direitos humanos, o Estado de direito, a transparência, a responsabilização, o pluralismo e a participação. Além disso, os Estados partes devem fornecer orientações sobre as formas de aceder a financiamento e de diversificar as fontes de apoio[28]
  1. Os Estados Partes devem assegurar que as organizações de pessoas com deficiência possam registar-se, fácil e gratuitamente, solicitar e obter fundos públicos de doadores nacionais, regionais e internacionais[29], incluindo doadores particulares, empresas privadas, fundações públicas e privadas, organizações da sociedade civil. A Comissão recomenda que os Estados Partes adotem critérios para a alocação de fundos destinados a consultas, observando, entre outros:

    a) Proporcionar financiamento diretamente às organizações de pessoas com deficiência, eliminando a necessidade de um terceiro intermediário;
    (b) Dar prioridade aos recursos para organizações de pessoas com deficiência cuja atividade principal seja defender os direitos das pesso(as com deficiência;
    (c) Alocar fundos especificamente para organizações de mulheres com deficiência e crianças com deficiência para facilitar a sua participação plena e efetiva na redação, elaboração e implementação de leis e políticas, assim como na estrutura de monitorização dessas leis e políticas[30];
    (d) Alocar os fundos de forma equitativa entre as várias organizações de pessoas com deficiência, garantindo assim o financiamento sustentável dos recursos institucionais básicos, em vez de se limitar ao financiamento de projetos pontuais;
    (e) Assegurar a autonomia das organizações de pessoas com deficiência na decisão sobre a sua agenda de defesa dos direitos, independentemente do financiamento recebido;
    (f) Distinguir entre o financiamento do trabalho das organizações de pessoas com deficiência e os projetos dessas organizações;
    (g) Disponibilizar financiamento a todas as organizações de pessoas com deficiência, incluindo organizações de auto-defensores e/ou aquelas que não obtiveram estatuto legal devido a leis que negam a capacidade legal de seus membros e impedem o registo das suas organizações.
    (h) Adotar e implementar processos de candidatura a financiamento em formatos acessíveis.

62.   Os Estados Partes devem assegurar que as organizações de pessoas com deficiência tenham acesso a fundos públicos para apoiar as suas atividades de modo a que elas não tenham que depender somente de fontes externas, limitando assim a sua capacidade de construir estruturas institucionais sustentáveis[31]. As organizações de pessoas com deficiência que são apoiadas através de financiamento público e privado, complementadas pelas quotas dos associados, estão em melhores condições de garantir a participação de pessoas com deficiência em todas as formas de tomada de decisões políticas e administrativas, prestar-lhes apoio e criar e conduzir atividades sociais dirigidas a particulares ou a determinados grupos. 

  1. Os Estados partes devem garantir financiamento adequado e suficiente para as organizações de pessoas com deficiência, por meio do estabelecimento de um mecanismo formal, legalmente reconhecido e responsável, por exemplo, fundos de afetação especial ao nível nacional e internacional. 
  1. Os Estados Partes devem aumentar os recursos públicos alocados para o estabelecimento e fortalecimento de organizações de pessoas com deficiência que representam todos os tipos de deficiência. Também devem garantir a essas organizações o acesso a financiamento nacional, inclusivamente através de isenções de impostos ou receitas da lotaria nacional[32]. Os Estados Partes deveriam promover e facilitar o acesso das organizações de pessoas com deficiência ao financiamento estrangeiro, no âmbito da cooperação internacional e da ajuda ao desenvolvimento, inclusive a nível regional, da mesma forma que outras organizações não-governamentais de defesa de direitos humanos. 
  1. Os Estados Partes devem estabelecer procedimentos e mecanismos rigorosos para assegurar que sejam impostas sanções efetivas em caso de incumprimento das obrigações previstas no parágrafo 3.º do artigo 4.º e no parágrafo 3.º do artigo 33.º. A supervisão do respeito por estas obrigações deve ser assegurada por órgãos independentes, como o gabinete do provedor de justiça ou uma comissão parlamentar, que têm autoridade para decidir sobre o início de uma investigação e responsabilizar as autoridades competentes. Ao mesmo tempo, as organizações de pessoas com deficiência devem poder interpor ações legais contra as entidades quando consideram que estas não cumpriram as disposições do artigo 4.º, parágrafo 3 e do artigo 33.º, parágrafo 3[33]. Estes mecanismos poderiam fazer parte dos quadros legais que regem a consulta e participação das organizações de pessoas com deficiência e da legislação nacional anti discriminação[34], em todos os níveis de tomada de decisão.

  2. Os Estados Partes devem reconhecer os recursos eficazes, incluindo ações ou queixas coletivas, para fazer valer o direito de participação das pessoas com deficiência nos assuntos públicos. As autoridades públicas podem contribuir significativamente para garantir o acesso efetivo das pessoas com deficiência à justiça, quando as circunstâncias se repercutirem negativamente nos seus direitos[35]. As soluções apropriados podem consistir em: a) suspensão do procedimento; (b) retorno a uma fase anterior ao procedimento para assegurar que as organizações de pessoas com deficiência sejam consultadas e associadas; c) adiamento da aplicação da decisão para permitir uma consulta adequada; ou (d) a anulação, no todo ou em parte, da decisão tomada com base no não cumprimento das disposições do parágrafo 3 do Artigo 4.º e do parágrafo 3 do Artigo 33.º.

 IV.   Relação como outras disposições da Convenção

 

  1. O artigo 3.º da Convenção enuncia um conjunto de princípios gerais que orientam na interpretação e implementação da Convenção. Esses princípios incluem a “participação plena e efetiva na sociedade”, o que significa que a participação das pessoas com deficiência, através das organizações que as representam, é omnipresente no texto da Convenção e que se aplica à totalidade da Convenção[36].

  2. O Artigo 4. º, parágrafo 3, que é parte das obrigações gerais dos Estados Partes, aplica-se a toda a Convenção e reveste-se de importância para a aplicação de todas as obrigações que dela emanam. 
  1. Os parágrafos 1, 2 e 5 do Artigo 4.º são de extrema importância para a implementação do parágrafo 3 desse mesmo artigo, na medida em que contêm as principais obrigações dos Estados Partes e as tornam extensivas a todos os estados, sem limitação ou exceção – em relação ao estabelecimento das estruturas e organismos necessários para a aplicação de medidas para cumprir a Convenção. 
  1. Devem ser adotadas políticas e assegurada a sua monitorização para promover a igualdade e a não-discriminação das pessoas com deficiência, conforme previsto no artigo 5. º da Convenção, em cumprimento das disposições do parágrafo 3 do artigo 4.º e do parágrafo 3 do artigo 33.º[37]. A estreita consulta e o envolvimento ativo das organizações de pessoas com deficiência, que representam a diversidade da sociedade, é uma componente chave para a adoção e monitorização bem-sucedidos de quadros jurídicos e materiais de orientação destinados a fomentar a igualdade inclusiva e de facto, incluindo medidas de ação positiva. 
  1. Os procedimentos de consulta não devem excluir ou discriminar pessoas com deficiência nem com base na sua deficiência. Estes procedimentos e os materiais de informação conexos devem ser inclusivos e acessíveis às pessoas com deficiência, e devem ser definidos prazos e assistência técnica para garantir que as pessoas com deficiência sejam envolvidas nos processos de consulta desde o início. A adaptação necessária deve realizada em todos os processos de diálogo e consulta, e deve ser aprovada legislação e desenvolvidas estratégias sobre adaptações razoáveis, em estreita consulta e envolvimento ativo com as organizações de pessoas com deficiência. 
  1. O artigo 6.º da Convenção exige que sejam tomadas medidas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e a capacitação das mulheres e meninas com deficiência. Os Estados Partes devem encorajar e promover a criação de organizações de mulheres e meninas com deficiência, como um dispositivo que permita aos seus membros participar na vida pública, em condições de igualdade com os homens com deficiência, através das suas próprias organizações. Os Estados Partes devem levar em consideração os direitos das mulheres com deficiência para se representarem e se organizarem e devem facilitar a sua participação efetiva nas consultas previstas no n.º 3 do artigo 4.º e n.º 3 do Artigo 33.º. As mulheres e meninas com deficiência também devem ter assento, em condições de igualdade, em todos os órgãos e mecanismos do quadro de aplicação e monitorização independentes. Todos os órgãos e mecanismos e procedimentos de consulta da deficiência devem ter em conta as questões da deficiência, devem ser inclusivos e garantirem a igualdade de género. 
  1. As mulheres com deficiência devem fazer parte da direção das organizações de pessoas com deficiência, em pé de igualdade com os homens com deficiência, e devem ter o seu lugar e atribuições nas organizações de pessoas com deficiência, através do princípio da paridade de representação entre homens e mulheres, da criação de comités de mulheres ou da implementação de programas de capacitação, entre outros. Os Estados Partes devem assegurar a participação de mulheres com deficiência, incluindo aquelas sob tutela e as que vivem em instituições, como um pré-requisito para a conceção, implementação e monitorização das medidas que afetem suas vidas. As mulheres com deficiência devem poder participar nos processos de tomada de decisão sobre questões que as afetam exclusivamente ou que têm um impacto desproporcionado sobre elas, bem como nas políticas de direitos das mulheres e igualdade de género, em geral, por exemplo, estratégias sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos e todas as formas de violência baseada no género.

  2. O parágrafo 3 do artigo 4.º e o parágrafo 3 do artigo 33.º são essenciais para a implementação dos direitos das crianças com deficiência, conforme estabelecido no artigo 7.º da Convenção. Os Estados Partes devem tomar medidas para assegurar que as crianças com deficiência participem e estejam ativamente envolvidas, por meio das suas organizações representativas, em todos os aspetos do planeamento, implementação, monitorização das leis, políticas, serviços e programas que afetam as suas vidas, na escola, ao nível da comunidade e aos níveis local, nacional e internacional. O objetivo da participação das crianças com deficiência é a sua capacitação e o reconhecimento pelos titulares de direitos de que essas crianças são detentoras de direitos, que podem desempenhar um papel ativo em sua comunidade e, mais amplamente, na sociedade. Esta capacitação é feita a muitos níveis, desde o reconhecimento de seu direito a ser ouvido até à sua participação ativa na realização dos seus próprios direitos[38]
  1. Os Estados Partes devem prestar apoio às crianças com deficiência para a tomada de decisões, entre outras coisas, disponibilizando e permitindo meios de comunicação necessários para que possam expressar as suas opiniões[39], apresentando as informações numa forma adaptada à sua idade e organizando os apoios para fins de autorrepresentação; também devem garantir que todos os profissionais que trabalham com e para essas crianças[40] recebam formação adequada. Os Estados partes também devem providenciar assistência e procedimentos adequados à idade e deficiência e prestar apoio às crianças com deficiência. A participação de suas organizações deve ser considerada indispensável em consultas que abordem questões específicas que lhes digam respeito, e a sua opinião deve ter sido em conta de acordo com sua idade e maturidade. 
  1. O Artigo 4.º, parágrafo 3.º, é de particular importância em relação à sensibilização (artigo 8.º). A Comissão recorda as suas recomendações aos Estados-partes para que realizem, com a participação de organizações de pessoas com deficiência, programas sistemáticos de consciencialização, incluindo campanhas nos órgãos de comunicação social através de transmissões públicas na rádio e na televisão, em que as pessoas com deficiência estejam representadas em toda a sua diversidade como titulares de direitos[41]. As campanhas de consciencialização e os programas de formação de todos os funcionários do setor público devem estar de acordo com os princípios da Convenção e devem basear-se no modelo de direitos humanos da deficiência, a fim de superar estereótipos relacionados com o género e deficiência, enraizados na sociedade. 
  1. Para que as organizações de pessoas com deficiência possam participar ativamente nos processos de consulta e monitorização da implementação da Convenção, é essencial que gozem de acessibilidade plena (artigo 9.º) aos procedimentos, mecanismos, informações e modos de comunicação, equipamentos e edifícios, incluindo as adaptações razoáveis. Os Estados Partes devem desenvolver, adotar e aplicar padrões internacionais de acessibilidade e o princípio do desenho universal, por exemplo, no campo das tecnologias de informação e comunicação[42], para assegurar que as organizações de pessoas as deficiências sejam estreitamente consultadas e ativamente envolvidas nos assuntos públicos[43]
  1. Em situações de risco e emergências humanitárias (artigo 11.º), é importante que os Estados Partes e os atores humanitários assegurem a participação ativa, a coordenação e consulta substantiva das organizações de pessoas com deficiência, inclusive as que, a todos os níveis, representam as mulheres, homens e crianças com deficiência, de todas as idades. Isso requer o envolvimento ativo de organizações de pessoas com deficiência no desenvolvimento, implementação e monitorização da legislação e políticas relacionadas com situações de emergências e a hierarquização das prioridades na distribuição de assistência, de acordo com o artigo 4.º, parágrafo 3.º. Os Estados Partes devem promover a criação de organizações de pessoas deslocadas no interior do país ou de refugiados com deficiência que tenham os meios para promover os direitos de seus membros em qualquer situação de risco, inclusive durante conflitos armados. 
  1. O igual reconhecimento perante a lei (artigo 12.º) assegura que todas as pessoas com deficiência tenham o direito de exercer a sua plena capacidade jurídica e tenham o mesmo direito de escolher e controlar as decisões que as afetam. O reconhecimento igual da personalidade jurídica é um pré-requisito para a realização de consultas diretas e efetivas e o envolvimento das pessoas com deficiência no desenvolvimento e implementação de legislação e estratégias para implementar a Convenção. A Comissão recomenda que a inobservância do Artigo 12.º, não obste, em circunstância alguma, à aplicação inclusiva do Artigo 4.º, parágrafo 3 e do Artigo 33.º, parágrafo 3. As leis e políticas devem ser modificadas para eliminar as barreiras à participação baseadas na negação da capacidade jurídica. 
  1. A Comissão recorda o seu comentário geral n.º 1 (2014) sobre o igual reconhecimento como pessoa perante a lei, no qual afirma que a capacidade jurídica é fundamental para o acesso a uma participação efetiva na sociedade e nos processos de tomada de decisão e que deve ser garantido a todas as pessoas com deficiência, incluindo aquelas com deficiências intelectuais, pessoas com autismo e pessoas com deficiências psicossociais reais ou percebidas e crianças com deficiência, através das suas organizações. Os Estados Partes devem assegurar a disponibilização de mecanismos de apoio à decisão para permitir a participação na formulação de políticas e consultas que respeitem a autonomia, a vontade e as preferências da pessoa. 
  1. O direito das pessoas com deficiência a ter acesso à justiça (artigo 13.º) implica que as pessoas com deficiência têm o direito de participar, em pé de igualdade com os outros, no sistema de justiça como um todo. Esta participação assume várias formas e compreende, por exemplo, que as pessoas com deficiência possam participar como autoras, vítimas ou réus, mas também como juízes, jurados e advogados, como parte do sistema democrático que contribui para a boa governança[44]. A estreita consulta com as pessoas com deficiência através das organizações que as representam é fundamental em qualquer processo para promulgar ou alterar leis, regulamentos, políticas ou programas relacionados com a sua participação no sistema de justiça. 
  1. A fim de evitar todas as formas de exploração, violência e abuso (artigo 16.º), os Estados Partes devem garantir que todas as instituições e programas para pessoas com deficiência sejam efetivamente controlados por autoridades independentes. A Comissão observou que as violações dos direitos das pessoas com deficiência continuam a ocorrer em equipamentos que “servem” essas pessoas, como instituições psiquiátricas ou residenciais. De acordo com o disposto no artigo 33.º, parágrafo 3, isso significa que, embora a autoridade supervisora independente à qual essa tarefa é atribuída nos termos do artigo 16.º, parágrafo 3, seja compatível com o quadro de monitorização independente previsto no artigo 33.º, parágrafo 2, a sociedade civil, incluindo as organizações de pessoas com deficiência, deve participar ativamente na supervisão dessas instalações e serviços. 
  1. Recordando seu comentário geral nº. 5 (2017) sobre o direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade, a Comissão observa que as consultas e a participação ativa de pessoas com deficiência, através das organizações que as representam, são essenciais para a aprovação de todos os planos e estratégias, bem como para a monitorização e supervisão, quando o direito de viver independente e de ser incluído na comunidade é aplicado (Artigo 19.º). A integração e consulta ativas, em todos os níveis das pessoas com deficiência, nos processos de tomada de decisão, não devem excluir nenhuma pessoa com deficiência, incluindo aquelas que vivem em ambientes institucionais que devem estar envolvidas no planeamento, implementação e monitorização de estratégias de desinstitucionalização, bem como na criação de serviços de apoio, com especial atenção para essas pessoas[45]
  1. O acesso à informação (Artigo 21.º) é essencial para que as organizações de pessoas com deficiência sejam envolvidas no processo de monitorização e para que possam participar plenamente e expressar os seus pontos de vista livremente. Estas organizações devem ter acesso a informações em formatos acessíveis, incluindo formatos eletrónicos e tecnologias adaptadas a todas as formas de deficiência, em tempo útil e sem custos adicionais. Compreende a língua gestual, a linguagem simplificada e o Braille, a comunicação melhorada e alternativa e todos os outros meios, modos e formas acessíveis de comunicação que as pessoas com deficiência escolhem para as suas relações oficiais. Antes de qualquer consulta e com a antecedência suficiente devem ser disponibilizadas, todas as informações relevantes, incluindo dados orçamentais precisos, estatísticas e outras informações úteis para formar uma opinião com conhecimento de causa. 
  1. Para garantir o direito à educação inclusiva (artigo 24.º), de acordo com o comentário geral da Comissão Nº 4 (2016), sobre o direito à educação inclusiva, os Estados Partes devem consultar e envolver ativamente as pessoas com deficiência, incluindo as crianças com deficiência, através das suas organizações representativas, em todos os aspetos de planeamento, implementação, monitorização e avaliação de políticas e leis de educação inclusiva[46]. A educação inclusiva é essencial para a participação das pessoas com deficiência, conforme descrito no artigo 4.º, parágrafo 3, e artigo 33.º, parágrafo 3. A educação favorece o desenvolvimento pessoal e aumenta a possibilidade de participação na sociedade, o que é necessário para a implementação da Convenção. Os Estados Partes devem assegurar que as instituições educativas públicas e privadas consultem as pessoas com deficiência e assegurem que os pontos de vista dessas pessoas sejam devidamente levados em conta no sistema educativo. 
  1. A adoção de todas as políticas relativas ao direito das pessoas com deficiência ao trabalho e ao emprego (Artigo 27.º) deve ser feita em consulta com as organizações que representam as pessoas com deficiência e com a sua participação. As políticas devem visar a garantia de acesso ao emprego, promover mercados e ambientes de trabalho abertos, inclusivos, não discriminatórios, acessíveis e dinâmicos, garantir a igualdade de oportunidades e a igualdade de género e fornecer as adaptações razoáveis e apoio necessário para todas as pessoas com deficiência.

  2. A efetivação do direito a um nível de vida e proteção social adequados (artigo 28.º) está diretamente ligada com o artigo 4.º, parágrafo 3. A participação das organizações de pessoas com deficiência em políticas públicas é crucial para assegurar que os Estados Partes tomam medidas adequadas para resolver as situações particulares de exclusão, desigualdade enfrentadas pelas pessoas com deficiência e as suas famílias, que vivem em condições de pobreza. Os Estados Partes devem procurar colaborar com as organizações de pessoas com deficiência e pessoas com deficiência que estão desempregadas, não têm uma renda fixa ou não podem trabalhar porque isso implicaria a perda de benefícios e subsídios, pessoas em áreas rurais ou remotas, pessoas indígenas, mulheres e idosos. Ao adotar e rever medidas, estratégias, programas, políticas e leis relacionadas com a implementação do Artigo 28.º, e ao conduzir o respetivo processo de monitorização, os Estados Partes devem consultar e integrar ativamente as organizações de pessoas com deficiência que representam todas as pessoas com deficiência, a fim de assegurar a incorporação da perspetiva da deficiência e garantir que os requisitos e opiniões dessas pessoas sejam devidamente levados em conta. 
  1. O direito das pessoas com deficiência de participar na vida política e na vida pública (Artigo 29.º) é extremamente importante para assegurar a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência em participarem plena e efetivamente na sociedade e serem devidamente incluídas. O direito de votar e de ser eleito é uma componente essencial do direito de participar na vida política e na vida pública: os representantes eleitos decidem a agenda política e têm um papel determinante na implementação e monitorização da Convenção, defendendo os seus direitos e interesses. 
  1. Os Estados Partes devem adotar regulamentos, em estreita consulta com as organizações de pessoas com deficiência, para permitir que as pessoas com deficiência que necessitem de assistência possam votar por si próprias. Para tal devem ser disponibilizados às pessoas com deficiência meios de apoio nas assembleias de voto nos processos eleitorais (votação e votação antecipada) nas eleições nacionais e locais e nos referendos nacionais. 
  1. As pessoas que representam a gama completa das diferentes deficiências ou apenas algumas delas devem ser consultadas e envolvidas, através das suas organizações, no processo e aplicação de recolha de dados e informações (Artigo 31.º). 
  1. Os Estados Partes devem estabelecer um sistema unificado de recolha de dados de qualidade, suficientes, oportunos e fiáveis desagregados por sexo, idade, origem étnica, população rural ou urbana, tipo de deficiência e situação económica, em relação às pessoas com deficiência e o seu acesso aos direitos consagrados na Convenção. Devem estabelecer um sistema que permita formular e implementar políticas para dar efetividade à Convenção, trabalhando em estreita colaboração com as organizações de pessoas com deficiência e apoiando-se no Grupo de Washington sobre Estatísticas da Deficiência. Poderiam utilizar outros instrumentos de recolha de dados para obter informação sobre perceções e comportamentos e incluir grupos que o Grupo de Washington não contempla. 
  1. Quando se trata de decidir sobre cooperação internacional e implementar essa cooperação (Artigo 32.º), é essencial consultar e cooperar estreitamente com as pessoas com deficiência e envolvê-las, através das organizações que as representam para fins de adoção de políticas de desenvolvimento em conformidade com a Convenção. As organizações de pessoas com deficiência devem ser consultadas e envolvidas em todas as etapas do desenvolvimento, implementação e monitorização de planos, programas e projetos de cooperação internacional, incluindo a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o  Quadro  de Sendai para a Redução do Risco de Catástrofes 2015-2030. 
  1. O artigo 34.º, parágrafo 3 é importante para o cumprimento dos critérios estabelecidos para ser membro da Comissão. Requer que os Estados Partes tenham em conta a disposição estabelecida no artigo 4.º, parágrafo 3, ao designar os seus candidatos. Portanto, os Estados Partes devem consultar e integrar ativamente as organizações de pessoas com deficiência antes de nomear candidatos para o Comissão. Devem ser adotados quadros e procedimentos legislativos nacionais para garantir procedimentos transparentes e participativos a fim de integrar as organizações de pessoas com deficiência e levar em conta os resultados das consultas, refletindo-os na nomeação final.


 V.   Implementação a nível nacional

 

  1. A Comissão está consciente que os Estados Partes enfrentam numerosas dificuldades em aplicar o direito das pessoas com deficiência a serem consultados e integrados na elaboração, aplicação e monitorização de leis e políticas para a implementação da Convenção. Os Estados Partes devem adotar, inter alia, as seguintes medidas para assegurar a plena implementação do parágrafo 3 do artigo 4.º e do parágrafo 3 do artigo 33.º da Convenção:

    a) Revogar todas as leis, em particular as que negam a capacidade jurídica, que impeçam que qualquer pessoa com deficiência, independentemente do tipo de deficiência que apresente, seja consultada de perto e ativamente integrada, através das organizações de pessoas com deficiência;
    b) Criar as condições propícias à criação e funcionamento adequado das organizações de pessoas com deficiência, adotando um quadro estratégico favorável à criação dessas organizações e ao seu funcionamento sustentável. Isso inclui assegurar a sua independência e autonomia em relação ao Estado, criando, implementando e tornando acessíveis os mecanismos de financiamento apropriados, incluindo financiamento público e cooperação internacional, e fornecer apoio, incluindo assistência técnica, para a autonomização e reforço das capacidades;
    c) Proibir todas as práticas de intimidação, assédio ou retaliação contra as pessoas e as organizações que defendem seus direitos no âmbito da Convenção, aos níveis nacional e internacional. Os Estados Partes também devem adotar mecanismos para assegurar a proteção das pessoas com deficiência e das suas organizações representativas contra intimidação, assédio e represálias, inclusive quando estas pessoas e as organizações cooperam com a Comissão ou outros órgãos e mecanismos relevantes de direitos humanos a nível internacional;
    d) Incentivar a criação de organizações coordenadoras de pessoas com deficiência, responsáveis por coordenar e representar as atividades dos seus membros e organizações individuais de pessoas com deficiência que representem diferentes tipos de deficiências, a fim de assegurar a sua plena inclusão e participação no processo de desenvolvimento e monitorização, especialmente no caso de pessoas que estão mais sub-representadas. Se um Estado Parte encontrar obstáculos para integrar todas as organizações individuais de pessoas com deficiência nos processos de tomada de decisão, poderão incluir representantes dessas organizações em grupos de trabalho temporários ou permanentes, etc., quando isso não puder ser feito através de organizações coordenadoras ou coligações de organizações de pessoas com deficiência;
    e) Aprovar leis e políticas que reconheçam o direito das organizações de pessoas com deficiência à participação e integração e regulamentos que estabeleçam procedimentos claros para a realização de consulta em todos os níveis hierárquicos e de tomada de decisão. Este quadro legislativo e político deve estabelecer a obrigação de realizar audiências públicas antes de serem tomadas decisões e incluir disposições que exijam calendários claros, a acessibilidade das consultas e a obrigatoriedade de adaptações razoáveis e de apoio. Isto pode ser alcançado através de referências claras à participação e seleção de representantes de organizações de pessoas com deficiência na legislação e outras formas de regulamentação;
    f) Estabelecer mecanismos permanentes de consulta a organizações de pessoas com deficiência, incluindo mesas-redondas, diálogos participativos, audiências públicas, pesquisas e consultas on-line, respeitando a sua diversidade e a autonomia, conforme indicado parágrafos 11, 12 e 50. Essas consultas também podem assumir a forma de um conselho consultivo nacional, por exemplo, um conselho nacional de pessoas com deficiência representando as organizações de pessoas com deficiência;
    g) Garantir e apoiar a participação de pessoas com deficiência, através das organizações de pessoas com deficiência que reflitam a grande diversidade de situações, incluindo as relacionadas com o nascimento, estado de saúde, idade, raça, sexo, idioma, origem nacional, étnica, aborígene ou social, orientação sexual e identidade de género, variação intersexual, filiação religiosa ou política, estatuto de migrante, categoria de deficiência ou qualquer outra situação;
    h) Colaborar com as organizações de pessoas com deficiência que representem mulheres e meninas com deficiência e assegurar a sua participação direta em todos os processos de tomada de decisão na esfera pública, em ambiente seguro, especialmente em relação à preparação de políticas relacionadas com os direitos das mulheres e igualdade de género, violência sexista contra as mulheres, incluindo violência sexual e abuso sexual;
    i) Consultar e integrar ativamente as pessoas com deficiência, incluindo crianças e mulheres com deficiência, através das organizações que as representam, no planeamento, execução, monitorização dos processos de tomada de decisão na esfera pública, a todos os níveis, especialmente em questões que os afetam, incluindo situações de risco e emergências humanitárias, em prazos razoáveis e realistas para que possam apresentar as suas opiniões e disponibilizar-lhes financiamento e apoio suficientes;
    j) Incentivar e apoiar a criação, capacitação, financiamento e a participação efetiva de organizações de pessoas com deficiência ou grupos de pessoas com deficiência, incluindo pais e familiares de pessoas com deficiência no seu papel de cuidadores, em todos os níveis de tomada de decisão. Isto inclui os níveis: local, nacional, regional (mesmo no âmbito de uma organização de integração regional) ou internacional, na conceção, desenho, reforma e implementação de políticas e programas;
    k) Garantir a supervisão do cumprimento por parte dos Estados Partes das disposições no artigo 4.º, parágrafo 3, e artigo 33.º, parágrafo 3 e facilitar o acompanhamento dessa supervisão pelas organizações de pessoas com deficiência;
    l) Desenvolver e implementar, com a participação das organizações de pessoas com deficiência, mecanismos eficazes de aplicação, com sanções e recursos efetivos em caso de descumprimento pelos Estados Partes das obrigações decorrentes dos artigos 4.º , parágrafo 3, e 33.º, parágrafo 3;
    m) Garantir adaptações razoáveis e a acessibilidade de todas as instalações, materiais de informação, salas de reuniões, pedidos de contributos, procedimentos e todas as formas de informações e comunicação relacionadas com a tomada de decisões, consultas pública e monitorização para todas as pessoas com deficiência, incluindo as que estão institucionalizadas ou em hospitais psiquiátricos, bem como as pessoas autistas
    n) Prestar assistência que leve em conta a deficiência e a idade para possibilitar a participação de pessoas com deficiência, através das organizações que as representam, nos processos de tomada de decisão, consulta e acompanhamento na esfera pública. Desenvolver estratégias para assegurar a participação de crianças com deficiência em processos de consulta para a implementação da Convenção que sejam inclusivos, apropriados para a sua idade e transparentes e que respeitem os seus direitos relacionados com a liberdade de expressão e de pensamento;
    o) Realizar consultas e procedimentos de forma aberta e transparente em formatos compreensíveis, incluindo todas as organizações de pessoas com deficiência;
    p) Garantir que as organizações de pessoas com deficiência possam solicitar e obter financiamento e outros recursos de fontes nacionais e internacionais, incluindo de particulares e empresas privadas, de organizações da sociedade civil, de Estados-Partes e organizações internacionais, assim como o acesso a isenções fiscais e à lotaria nacional;
    q) Assegurar que os procedimentos de consulta existentes em áreas legislativas que não tratem especificamente da deficiência sejam acessíveis e incluam pessoas com deficiência, através das organizações que as representam;
    r) Integrar ativamente e consultar de perto as pessoas com deficiência, por meio das organizações que as representam, nos processos de elaboração de orçamentos públicos, na monitorização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a nível nacional, na adoção de decisões internacionais e cooperação internacional com outros Estados Partes e aprovar políticas de desenvolvimento que incorporem os direitos e opiniões das pessoas com deficiência na implementação e supervisão da Agenda 2030 a nível nacional;
    s) Garantir a participação, a representação e o fácil acesso das pessoas com deficiência aos pontos de contacto e mecanismos de coordenação, bem como a sua cooperação e representação nos quadros de supervisão independentes;
    t) Promover e garantir a participação e integração das pessoas com deficiência, através das organizações que as representam, nos mecanismos internacionais de direitos humanos a nível regional e mundial;
    u) Definir, em estreita consulta com as organizações de pessoas com deficiência, indicadores verificáveis de uma participação adequada, bem como calendários e responsabilidades específicos relativamente à implementação e monitorização. Esta participação pode ser medida, por exemplo, explicando o alcance da sua participação em relação a propostas de modificação de leis ou comunicando o número de representantes das organizações que participaram dos processos de tomada de decisão.

                            

 

  • Tradução da Associação Portuguesa de Deficientes

 

[1]Aprovada pela Comissão no20º período de sessões (27 de agosto a 21 de setembro de 2018).

[2] Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Princípios e Orientações para uma aproximação baseada nos Direitos Humanos para as Estratégias de Redução da Pobreza, par. 64.
[3] A/HRC/31/62, par. 13.
[4] Ibid., par. 14.
[5] Ibid., par. 16 e 17.
[6] CDPD/C/11/2, anexo II, par. 3.
[7] Observação geral núm. 3 (2016), sobre  mulheres e meninas com deficiência, par. 5.
[8] A/HRC/31/62, par. 38, et A/71/314, par. 64.
[9] A/HRC/19/36, par. 15 a 17.
[10] A/HRC/31/62, par. 63; y A/HRC/34/58, par. 63.
[11]A/HRC/31/62, par. 64.
[12] Art. 7, par. 3, da Convenção. Veja-se Comité dos Direitos da Criança, observação geral num. 12 (2009) sobre o direito da criança a ser ouvida, par.. 134.
[13] Observação geral núm. 12, par. 133.
[14] Veja-se a resolução 53/144 da Assembleia Geral, anexo.
[15] A/HRC/31/62, par. 1 a 3.
[16] CRPD/C/GBR/CO/1, par. 7 et 37 ; CRPD/C/BIH/CO/1, par. 58 ; CRPD/C/ARE/CO/1, par. 61 ; e CRPD/C/SRB/CO/1, par. 67.
[17] A/HRC/31/62, para. 45; e A/HRC/20/27, para. 56.
[18] A/HRC/31/62, par. 40
[19] Observação geral no 6 (2018) sobre igualdade e não discriminação, par. 23 et 40.
[20] A/HRC/31/62, par. 75 à 77.
[21] Ibid, par. 78 à 80.
[22] Comité dos direitos da criança, observação geral no 12, par. 132.
[23] CDPD/C/COL/CO/1, par. 11, al. a).
[24] Comité dos direitos da criança, observação geral no 12, par. 45.
[25] CRPD/C/ARM/CO/1, par. 6, al. a).
[26] A/71/314, par. 65 e 66.
[27] CRPD/C/ESP/CO/1, par. 6, e CRPD/C/NZL/CO/1, par. 4.
[28] A/HRC/31/62, par. 47 a 50.
[29] A/HRC/20/27, par. 67 et 68.
[30] CRPD/C/1/Rev.1, anexo.
[31] A/71/314, par. 65 et 66.
[32] A/59/401, par. 82, al. l) e t), e A/HRC/31/62, par. 51 a 54.
[33] A/71/314, par. 68 et 69.
[34] Observação geral no 6, par. 72.
[35] Ibid., par. 73, al. h).
[36] Alto Comissariado das Nações Unidas dos direitos humanos, « Monitorização da Convenção relativa aos direitos das pessoas com deficiência: Guia para os observadores dos direitos humanos», Série sobre a formação profissional n.º 17 (Nova Iorque e Genebra, 2010).
[37] Ver observação geral no 6.
[38] Fundo das Nações Unidas para a Infância, “Estrutura conceptual para monitorizar os resultados da participação dos adolescentes” (março de 2018). Disponível em www.unicef.org/ adolescence/files/Conceptual_Framework_for_Measuring_Outcomes_of_Adolescent_Participation_March_2018.pdf.
[39] Comité dos direitos da criança, observação geral no 12, par. 21.
[40] Ibid., par. 34.
[41] CRPD/C/MDA/CO/1, par. 19 ; CRPD/C/AZE/CO/1, par. 21 ; et CRPD/C/TUN/CO/1, par. 21.
[42] Observação geral no 2 (2014) sobre a acessibilidade, par. 5 a 7 e 30.
[43] Ibid., par. 16, 25 e 48.
[44] Beasley c. Australie (CRPD/C/15/D/11/2013), par. 8.9, et Lockrey c. Australie (CRPD/C/15/D/13/2013), par. 8.9.
[45] Observação geral no 5 (2017) sobre a autonomia de vida e a inclusão na sociedade, par. 71.
[46] Observação geral no 4, par. 7.

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Décima oitava sessão

Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência *

Décima oitava sessão

14 a 31 de agosto de 2017

Ponto 8 da agenda provisória

Comentários gerais

Comentário geral sobre o artigo 19.º: viver de forma independente e a ser incluído na comunidade

  1. Introdução

 

  1. Historicamente as pessoas com deficiência foram privadas da livre escolha e do controle pessoal e individual em todos os aspetos das suas vidas. Muitas foram consideradas incapazes de viver de forma independente nas comunidades da sua escolha. As medidas de acompanhamento não existem ou estão subordinadas a modos de vida específicos; as infraestruturas comunitárias não são projetadas universalmente. Os recursos são investidos em instituições, em vez de se desenvolverem soluções para que as pessoas com deficiência vivam de forma independente na comunidade. Tudo isto conduziu ao abandono, à dependência da família, à institucionalização, ao isolamento e à segregação.
  2. O artigo 19.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece o direito igual de todas as pessoas com deficiência a viver de forma independente e a ser incluído na comunidade, com a liberdade de escolha e controlo das suas vidas. O seu fundamento é o primeiro princípio dos direitos humanos segundo o qual todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e toda a vida tem o mesmo valor.
  1. O artigo 19º sublinha que as pessoas com deficiência são sujeitos de direitos e detentores de direitos. Os princípios gerais da Convenção (artigo 3º), em particular o respeito pela dignidade, autonomia e independência inerentes ao indivíduo (artigo 3º (a)) e a participação e inclusão plena e efetiva na sociedade (artigo 3 (c)), são o fundamento do direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade. Outros princípios consagrados na Convenção também são essenciais para interpretar e aplicar o artigo 19.º.
  1. Na origem das ideias de vida independente e de inclusão na comunidade estão pessoas com deficiência que afirmam o controlo sobre a forma como querem viver, criando formas de apoio importantes, como a assistência pessoal e exigindo que as instalações da comunidade estejam de acordo com as prerrogativas do desenho universal.
  1. No preâmbulo da Convenção, os Estados Partes reconhecem que muitas pessoas com deficiência vivem na pobreza e sublinham a necessidade de abordar o impacto da pobreza. O custo da exclusão social é elevado, pois perpetua a dependência e, portanto, a interferência nas liberdades individuais. A exclusão social também origina o estigma, a segregação e a discriminação, que podem levar à violência, exploração, abuso. Também é a causa de estereótipos negativos que alimentam um ciclo de marginalização contra as pessoas com deficiência. As políticas e os planos de ação concretos a favor da inclusão social das pessoas com deficiência, incluindo a promoção do seu direito à vida independente (artigo 19.º), representam um mecanismo económico vantajoso para garantir o gozo dos direitos, o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza.
  1. O presente comentário geral tem como objetivo auxiliar os Estados Partes na implementação do artigo 19.º e no cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força da Convenção. Trata-se principalmente das obrigações de assegurar a cada pessoa o direito de viver de forma independente e de ser incluída na comunidade, mas também está relacionada com outras disposições. O Artigo 19.º tem um papel distinto como um dos mais variados e mais intersectoriais artigos da Convenção e deve ser considerado como parte integrante da implementação de todos os artigos da Convenção.
  1. O artigo 19º não comporta apenas direitos civis e políticos, mas também económicos, sociais e culturais e ilustra a inter-relação, interdependência e indivisibilidade de todos os direitos humanos. O direito de viver de forma independente e ser incluído na comunidade só pode ser realizado se todos os direitos económicos, civis, sociais e culturais consagrados nesta norma forem cumpridos. O direito internacional dos direitos humanos impõe obrigações de efeito imediato e outras que podem ser realizadas progressivamente. O pleno exercício dos direitos civis e políticos ou sociais, económicos e culturais requer mudanças estruturais que podem ser realizadas por etapas, [1]
  1. O artigo 19.º reflete a diversidade das abordagens da vida humana segundo as culturas e garante que as suas disposições não dão preferência a normas e valores culturais particulares. Viver de forma independente e estar incluído na comunidade são princípios básicos da vida humana em todo o mundo, incluindo o contexto da deficiência. Significam para cada um poder exercer a liberdade de escolha e controle de decisões que afetam a própria vida com o nível máximo de autodeterminação e interdependência na sociedade. A realização deste direito deve ser efetiva em diferentes contextos económicos, sociais, culturais e políticos. O direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade refere-se a todas as pessoas com deficiência, independentemente raça, cor, descendência, sexo, estado de gravidez e maternidade, estado civil, situação familiar ou situação laboral, identidade de género, orientação sexual, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, estatuto social, aborígene ou social, estatuto de migrante, requerente de asilo ou estatuto de refugiado, pertença a uma minoria nacional, estatuto económico ou patrimonial, estado de saúde, predisposição genética ou outras a doenças, nascimento e idade, ou qualquer outra situação.
  1. O direito enunciado no artigo 19.º está profundamente enraizado no direito internacional de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos enfatiza no artigo 29.º (1) a interdependência entre o desenvolvimento pessoal de cada um e o carácter social de pertença à comunidade: ” O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.”. O artigo 19.º da Convenção tem as suas raízes nos direitos civis e políticos, e nos direitos económicos, sociais e culturais: o direito à liberdade de movimento e à liberdade de escolha da residência (artigo 12º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) e o direito a um nível de vida adequado, incluindo vestuário, comida e habitação adequados (artigo 11.º do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais) e aos direitos básicos de comunicação constituem a base para o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade. A liberdade de movimento, um padrão de vida adequado, bem como a capacidade de compreender e fazer-se entender as suas preferências, escolhas e decisões informadas, são condições indispensáveis de respeito pela dignidade humana e pelo desenvolvimento pleno da personalidade[2].
  1. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher realça a igualdade entre mulheres e homens e condena a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas (art.1.º). Reafirma a igualdade das mulheres e homens perante a lei, particularmente a capacidade jurídica e a oportunidade de exercer essa capacidade (artigo 15.º (2)). Insta igualmente os Estados Partes a conceder aos homens e mulheres os mesmos direitos em relação à legislação relativa ao direito das pessoas à liberdade de movimento e a escolher sua residência e local de residência (artigo 15, parágrafo 4).
  1. O artigo 9.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança exige que os Estados Partes “garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Nos termos do artigo 18, n.º 2 “Os Estados Partes na presente Convenção “asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança.”. Além disso, o artigo 20.º, n.º 1 estabelece que a “criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito à proteção e assistência especiais do Estado.“ e que ” Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma proteção alternativa, nos termos da sua legislação nacional.” (Art. 20.º (2)). A prestação de cuidados alternativos com base na deficiência seria de natureza discriminatória.
  1. O artigo 23.º (1) desta Convenção estabelece ainda que todas as crianças com deficiência devem ter uma vida digna em condições que garantam a autossuficiência e facilitem a participação ativa na comunidade. A Comissão dos Direitos da Criança manifestou a sua preocupação com o elevado número de crianças com deficiência colocadas em instituições e instou os Estados Partes por meio de programas de desinstitucionalização a apoiar a sua capacidade de viver na sua família, na sua família alargada ou família de acolhimento[3].
  1. A igualdade e a não discriminação são princípios fundamentais do direito internacional de direitos humanos e são consagrados por todos os instrumentos fundamentais de direitos humanos. No seu comentário geral nº 5, sobre as pessoas com deficiência, o Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais destaca que “a segregação e o isolamento impostos (…) socialmente” constituem uma discriminação. Também enfatiza, em relação ao artigo 11.º do Pacto Internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais, que o direito a um padrão de vida adequado não só inclui o acesso a uma alimentação adequada e habitação acessível em condições de igualdade assim como a satisfação de outras necessidades materiais básicas de materiais, mas também a disponibilização de serviços de apoio e dispositivos e tecnologias de assistência que respeitem plenamente os direitos humanos das pessoas com deficiência.
  1. Além disso, o Artigo 19.º e o conteúdo deste Comentário Geral devem orientar e apoiar a implementação da Nova Agenda para as Cidades, adotada na Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), que faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A Nova Agenda para as Cidades defende uma visão comum que é a de permitir que todos desfrutem dos mesmos direitos e oportunidades, desenvolvendo cidades e assentamentos humanos inclusivos, equitativos, seguros, acessíveis, com custos razoáveis, resilientes e duráveis. Tratando-se do artigo 19.º da Convenção, os objetivos 10.2 (“Empoderar e promover a inclusão social, económica e política de todos”) e 11.1 (“garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos”) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são de particular importância.
  1. A Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência registou avanços na última década, na implementação do artigo 19.º., mas o grau de implementação resultante não respeita plenamente o espírito deste artigo.

(a) Negação de capacidade legal seja de jure através de leis e práticas oficiais ou, de facto, através de decisões substitutivas relativas ao meio ambiente e modo de vida;

 (b) Inadequação do apoio social e dos serviços de proteção social em termos de garantir uma vida independente e a inclusão na sociedade;

 (c) Insuficiência de quadros jurídicos e de alocações orçamentais para assegurar a assistência pessoal e apoio individualizado;

 (d) Institucionalização, na sua aceção material e regulamentar, incluindo e crianças, e tratamento forçado em todas as suas formas;

 (e) Ausência de estratégias e planos de desinstitucionalização e de investimentos contínuos em cuidados de apoio;

 (f) Atitudes negativas, estigmas e estereótipos impedindo as pessoas com deficiência de serem parte integrante da sociedade e de receberem a assistência disponível;

 (g) Conceções erróneas sobre o direito de viver de forma independente e a inclusão na sociedade;

 (h) Falta de serviços e instalações disponíveis, aceitáveis, acessíveis e a preços razoáveis, tais como transportes, cuidados de saúde, escolas, espaços públicos, habitação, teatros, cinemas, bens e serviços e de outros edifícios que recebem público;

 (i) Falta de mecanismos de monitorização para garantir a implementação adequada do artigo 19.º, incluindo a participação de organizações representativas de pessoas com deficiência;

 (j) insuficiente incorporação da deficiência nas dotações orçamentais gerais; e

 (k) Descentralização inadequada, resultando em disparidades entre as autoridades locais e que comprometem a igualdade de oportunidades para viver de forma independente dentro da sociedade num Estado Parte.

 

  1. Conteúdo normativo do artigo 19.º
  1. Definições
  2. No presente comentário geral aplicam-se as seguintes definições:

(a) Vida Independente: autonomia de vida / viver de forma independente significa que as pessoas com deficiência dispõem de todos os meios necessários para poderem escolher e controlar a sua vida e a tomar todas as decisões relativas à sua existência. A autonomia pessoal e a autodeterminação são fundamentais para a vida independente, incluindo o acesso aos transportes, informações, comunicação e assistência pessoal, local de residência, rotina diária, hábitos, emprego decente, relações pessoais, vestuário, nutrição, higiene e cuidados de saúde, religião, direitos culturais e sexuais e reprodutivos. De tudo isto depende o desenvolvimento da identidade e personalidade de uma pessoa, isto é: onde vivemos, com quem vivemos, o que comemos, se gostamos de levantar cedo ou deitar tarde, estar dentro ou ao ar livre, ter uma toalha e velas sobre a mesa, ter animais de companhia ou ouvir música. Estas ações e decisões determinam quem somos. A vida independente é uma parte essencial da autonomia e da liberdade do indivíduo, e não significa necessariamente que se viva sozinho. Também não deve ser interpretado apenas como a capacidade de realizar atividades diárias por si mesmo. Em vez disso, deve ser considerada como a liberdade de escolha e controle, no respeito pela dignidade inerente e autonomia individual, conforme consagrado no artigo 3.º (a) da Convenção. A independência como enquanto expressão de autonomia pessoal significa que a pessoa com deficiência não é privada da oportunidade de escolher e controlar o seu estilo de vida pessoal e as atividades quotidianas.

(b) Ser incluído na comunidade: o direito de ser incluído na comunidade relaciona-se com o princípio da inclusão e participação plena e efetiva na sociedade consagrada, entre outros, no artigo 3.º (c) da Convenção. Inclui viver uma vida social plena e ter acesso a todos os serviços disponíveis para o público assim como serviços de acompanhamento devem permitir às pessoas com deficiência fazer parte integrante da comunidade e participar ativamente em todas as esferas da vida em sociedade. Estes serviços de acompanhamento podem referir-se, entre outros, à habitação, transporte, compras, educação, emprego, atividades recreativas e todas as outras dispositivos e serviços oferecidos ao público, incluindo a comunicação sociais. O direito à inclusão também inclui, ter acesso a todas as medidas e eventos de vida política e cultural na comunidade, tal como reuniões públicas, eventos desportivos, festivais culturais e religiosos e qualquer outra atividade na qual a pessoa com deficiência deseje participar.

 

(c) Quadro propício à Vida independentes: Tanto a vida independente como a inclusão na comunidade pressupõem um quadro de vida que exclua todas as formas de institucionalização. Não se trata de viver num determinado edifício ou em um lugar específico, é, antes de tudo, não perder a autonomia e a liberdade de escolha em resultado da imposição de uma determinada forma de viver. Nem as instituições de grande escala com mais de uma centena de residentes, nem lares mais pequenos que acolham cinco ou oito indivíduos, nem mesmo casas individuais, podem ser consideradas como quadros propícios à vida autónoma se apresentarem características determinantes de instituições ou de institucionalização. Embora, os contextos das instituições possam diferir em tamanho, nome e configuração, existem certas características comuns, tais como: a obrigação de compartilhar os serviços de assistentes entre várias pessoas e a pouca ou nenhuma influência sobre a escolha da pessoa que presta a assistência; as instituições contribuem para o isolamento e segregação das pessoas com deficiência, em detrimento de sua autonomia de vida e da sua inclusão na sociedade; privam as pessoas com deficiência da oportunidade de decidir por si mesmas a sua vida quotidiana; impedem que escolham as pessoas com quem vivem; impõem uma rotina rígida, que não leva em conta a vontade ou as preferências de cada um; envolvem um grupo de pessoas sob uma certa autoridade em atividades idênticas no mesmo lugar; têm uma abordagem paternalista da prestação de serviços; enquadram as condições de vida; e, geralmente, são caracterizadas por um terem um número desproporcional de pessoas com deficiência a viver no mesmo meio ambiente. As instituições podem oferecer às pessoas com deficiência alguma liberdade de escolha e algum controle, mas apenas em certas áreas da vida, e não perdem o seu carácter segregador. As políticas de desinstitucionalização exigem, portanto, a implementação de reformas estruturais que vão além do encerramento de instituições. As residências, destinadas a acomodar um grande número de pessoas ou pequenos grupos, são particularmente prejudiciais para as crianças, que precisam de crescer em família. Mesmo que tenham a aparência de ambiente familiar, as instituições permanecem instituições e não podem substituir uma família;

 

(d) Assistência pessoal: A assistência pessoal refere-se aos serviços de acompanhamento disponíveis para as pessoas com deficiência e fornecidos por pessoas sob o controlo da pessoa/utilizador. A assistência pessoa é uma ferramenta para a vida independente. Embora os modos de assistência pessoal possam variar, existem certos elementos, que o distinguem de outros tipos de apoio:

 

(i) O financiamento para a assistência pessoal deve ser fornecido com base em critérios personalizados e levar em consideração os padrões de direitos humanos para o emprego decente. O financiamento deve ser controlado e alocado à pessoa com deficiência com o objetivo de pagar qualquer assistência necessária. Baseia-se numa avaliação das necessidades individuais e das condições de vida. Os serviços individualizados não devem resultar na redução ou aumento do orçamento pessoal;

 

  1. ii) O serviço é controlado pela pessoa com deficiência, o que significa que ele ou ela pode contratar o serviço a uma variedade de prestadores ou agir como empregador. As pessoas com deficiência têm a opção de delinear o seu próprio serviço, ou seja, projetar o serviço e decidir por quem, como, quando, onde e de que forma o serviço é prestado e dar instruções aos prestadores de serviços;

(iii) A assistência pessoal é uma relação de um para um. Os assistentes pessoais devem ser recrutados, treinados e supervisionados pela pessoa que recebe a assistência pessoal. Os assistentes pessoais não devem ser “partilhados” sem o consentimento total e livre da pessoa que recebe a assistência pessoal. A partilha de assistentes pessoais limitará e impedirá a participação autodeterminada e espontânea na comunidade; e

 

(iv) Autogestão da prestação de serviços. As pessoas com deficiência que necessitam de assistência pessoal podem escolher livremente o seu grau de controlo pessoal sobre a prestação de serviços de acordo com suas circunstâncias e preferências de vida. Mesmo que as responsabilidades do “empregador” sejam contratadas, a pessoa com deficiência permanece sempre no centro das decisões relativas à assistência, e deve-lhe ser perguntado e respeitadas as preferências individuais. O controlo da assistência pessoal pode ser efetuado através de decisão apoiada.

 

  1. Os prestadores de serviço de apoio descrevem frequente e erroneamente o seu serviço de apoio usando os termos “independente” ou “vida comunitária”, bem como “assistência pessoal”, embora na prática tais serviços não atendam aos requisitos do artigo 19.º. As “soluções de pacotes ” oferecidas, entre outros, relacionam a disponibilidade de um serviço específico com outro, esperam que mais pessoas vivam juntas ou que os serviços só possam ser fornecidos para condições de vida especiais. O conceito de assistência pessoal em que a pessoa com deficiência não possui autodeterminação total e autocontrole não deve ser considerado em conformidade com o artigo 19.º. Pessoas com necessidades de comunicação complexas, incluindo aqueles que usam meios de comunicação informais (ou seja, comunicação por meios não-representativos, incluindo expressão facial, posição do corpo e vocalização) devem ter os apoios adequados que lhes permitam desenvolver e transmitir as suas opções, decisões, escolhas e / ou preferências e ter estes direitos reconhecidos e respeitados.
  2. Artigo 19, abrangência
  1. O artigo 19.º reafirma o princípio da não discriminação das pessoas com deficiência e o reconhecimento do seu direito a viver de forma independente na comunidade. Para que o direito de viver de forma independente, com escolhas iguais às dos outros e a ser incluído na comunidade, possa ser realizado, os Estados partes devem tomar medidas efetivas e apropriadas para garantir o pleno exercício deste direito assim como a plena inclusão e participação das pessoas com deficiência na comunidade.
  1. O artigo 19.º abrange dois conceitos, que apenas o seu título deixa claro, nomeadamente o direito à autonomia de vida e o direito à inclusão social. Enquanto o primeiro se refere à esfera individual e se apresenta como o direito de emancipação sem ser deixado de lado ou privado de perspetiva, o segundo tem uma dimensão social, como direito afirmativo de criar ambientes abertos a todos. O direito consagrado no artigo 19.º abrange ambos os aspetos.
  1. O artigo 19.º refere-se explicitamente a todas as pessoas com deficiência. Nem a privação total ou parcial da sua capacidade jurídica, qualquer que seja o grau, nem o nível de apoio exigido podem ser invocados para negar ou limitar às pessoas com deficiência o direito à independência e a uma vida independente na comunidade.
  1. Quando os serviços pessoais para as pessoas com deficiência são considerados muito onerosos ou se a pessoa com deficiência é considerada como “incapaz” de viver fora de do quadro institucional, os Estados Partes geralmente consideram as instituições como a única solução. As pessoas com deficiência intelectual, especialmente aquelas com exigências de comunicação complexas, entre outras, são muitas vezes avaliadas como incapazes de viver fora de quadros institucionais. Este raciocínio é contrário ao artigo 19.º, que amplia o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade para todas as pessoas com deficiência, independentemente das suas capacidades intelectuais, do grau de autonomia ou dos serviços de acompanhamento de que careçam.
  1. Todas as pessoas com deficiência devem ser livres para decidir levar uma vida ativa e pertencer à cultura da sua escolha e devem ter o mesmo grau de escolha e controle sobre a sua vida na mesma medica que outros membros da comunidade. A vida independente não é compatível com a promoção do estilo de vida individual “predefinido”. Os jovens com deficiência não devem ser obrigados a viver em ambientes destinados a pessoas idosas e vice-versa.
  1. As pessoas com deficiência são titulares de direitos e gozam de igual proteção nos termos do artigo 19.º independentemente do sexo. Devem ser tomadas todas as medidas apropriadas para garantir o pleno desenvolvimento, avanço e capacitação das mulheres. As pessoas com deficiência LGBTI devem gozar de proteção igual nos termos do Artigo 19.º e, portanto, as suas relações pessoais devem ser respeitadas. Além disso, o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade engloba a proteção das pessoas com deficiência pertencentes a qualquer faixa etária, grupos étnicos, castas, minorias linguísticas e / ou religiosas, bem como migrantes, requerentes de asilo e refugiados.
  2. Artigo 19.º (a)
  1. Escolher e decidir sobre como, onde e com quem viver é a ideia central da vida independente e da inclusão na comunidade. A capacidade de opção não se limita ao local de residência, mas inclui todos os aspetos da vida de uma pessoa: horário diário e rotina, o modo e estilo no domínio privado ou público, no quotidiano ou a longo prazo.
  1. Muitas vezes, as pessoas com deficiência não podem exercer a sua escolha por falta de opções. Por exemplo, quando o apoio informal da família é a única opção, quando não há apoio disponível fora das instituições, se a habitação é inacessível ou o apoio não é fornecido na comunidade e se existem apenas formas específicas de residência ou estabelecimentos especializados para poder beneficiar do apoio.
  1. Além disso, as pessoas com deficiência podem não ter permissão para exercer a sua escolha individual devido à falta de informações acessíveis sobre a variedade de opções disponíveis e / ou devido a restrições legais decorrentes de leis de tutela e normas ou decisões legais similares que não permitem às pessoas com deficiência exercer a sua capacidade legal. Mesmo se a legislação não restringe expressamente os direitos das pessoas com deficiência, outros atores como as famílias, os cuidadores ou as autoridades locais, controlam e restringem as escolhas do indivíduo tomando decisões em seu nome.
  1. A personalidade jurídica e a capacidade jurídica das pessoas com deficiência são a base da realização de uma vida independente na comunidade. Há, portanto, uma ligação entre as disposições do artigo 19.º e as do artigo 12.º da Convenção, que garantem o reconhecimento da personalidade jurídica e o exercício da capacidade jurídica, conceitos explicados com mais detalhe na observação. Nº 1 do Comitê (2014) sobre o reconhecimento pessoa jurídica. Além disso, as disposições do artigo 19.º fazem eco da proibição absoluta de detenção por motivo de deficiência, prevista no artigo 14.º e especificada nas diretivas relevantes[4]

    [4] Diretivas sobre o direito à liberdade e à segurança das pessoas com deficiência /A/72/55, anexo)

    Artigo 19.º (b)

  2.  O acesso a serviços de apoio personalizados deve ser visto como um direito e não como uma forma de assistência médica, social ou de caridade. Para muitas pessoas com deficiência, o acesso a uma gama de serviços de apoio personalizados é um pré-requisito para uma vida independente na sociedade. As pessoas com deficiência têm o direito de escolher os serviços que desejam e os prestadores de serviços com base nas suas próprias necessidades e preferências pessoais, e os serviços de apoio personalizados devem ser suficientemente flexíveis para se adaptarem às necessidades dos utilizadores, e não o contrário. Portanto, os Estados Partes são obrigados a garantir a existência de especialistas qualificados em número suficiente capazes de propor soluções práticas para eliminar os obstáculos à autonomia de vida das pessoas na sociedade, no respeito pelas suas necessidades e preferências.
  1. A alínea (b) enumera vários tipos de serviços individualizados que se enquadram na categoria de serviços de apoio. Não se trata somente de serviços ao domicílio, mas também serviços na esfera do emprego, educação ou participação política e cultural, serviços de apoio à paternidade e a capacidade de receber familiares e outras pessoas favorecendo a participação na vida política e cultural, serviços no domínio das atividades de lazer e viagens, bem como recreação.
  1. Embora o nome, tipo ou natureza dos serviços de apoio personalizados possam variar de acordo com as características culturais, económicas e geográficas dos Estados Partes, todos os serviços de apoio devem ser concebidos para permitir às pessoas com deficiência viver em sociedade e impedi-los o isolamento ou a segregação, e devem ser adaptados para este propósito na prática. É importante que esses serviços sejam projetados para permitir que as pessoas com deficiência sejam totalmente incluídas na sociedade. Portanto, o artigo 19.º (b) proíbe todas as formas de serviços de apoio em instituições segregadas que limitam a autonomia pessoal.
  1. Também é relevante ter em mente que todos os serviços de apoio devem ser concebidos e executados de maneira a favorecer o propósito geral da norma: a inclusão e participação plenas, personalizadas, e livremente escolhidas das pessoas com deficiência e a sua autonomia de vida.
  2. Artigo 19.º (c)
  3. Os serviços e equipamentos mencionados nesta parte do artigo são serviços de apoio não especificamente desenhados para pessoas com deficiência mas sim serviços para o conjunto da população. Cobrem uma ampla gama de serviços, como habitação, bibliotecas públicas, hospitais, escolas, transportes, lojas, mercados, museus, Internet ou redes sociais. Devem estar disponíveis, universalmente acessíveis, aceitáveis e adaptáveis a todas as pessoas com deficiência na sociedade.
  1. A acessibilidade das instalações, bens e serviços comunitários, bem como o exercício do direito ao emprego, à educação e a cuidados de saúde inclusivos são condições essenciais para a inclusão e participação de pessoas com deficiência na comunidade. Vários programas de desinstitucionalização mostraram que o encerramento de instituições, independentemente do seu tamanho, e a colocação dos utentes na comunidade, em si não é suficiente. Tais reformas devem ser acompanhadas por programas abrangentes de desenvolvimento de serviços comunitários, incluindo programas de sensibilização. As reformas estruturais destinadas a melhorar a acessibilidade geral dentro da comunidade podem reduzir a necessidade de serviços específicos para a deficiência.
  1. Em termos de alcance material, o artigo 19.º abrange o acesso a habitações seguras e adequadas, a serviços personalizados e aos equipamentos e serviços coletivos. O acesso à habitação significa ter a opção de viver na comunidade, tal como qualquer outra pessoa. O artigo 19.º não é implementado adequadamente se as pessoas com deficiência apenas tiverem acesso a habitação em zonas previstas para esse efeito ou tenham de viver no mesmo edifício, complexo ou vizinhança. É imperativo dispor de habitações acessíveis em número suficiente em todas as zonas geográficas onde as pessoas com deficiência possam viver sozinhas ou em família, dando o direito e a possibilidade de as pessoas com deficiência escolherem o local onde querem viver. Para isso, são necessárias novas construções residenciais acessíveis e a adaptação dos edifícios residenciais existentes. Além disso, a habitação deve ter preços acessíveis para as pessoas com deficiência.
  1. Os serviços de apoio devem estar disponíveis dentro de um alcance físico e geográfico acessível e seguro para todas as pessoas com deficiência, quer vivam em áreas urbanas ou rurais. Têm de ter em conta que as pessoas com deficiência têm baixos rendimentos. Também devem ser aceitáveis, o que significa que devem respeitar as normas de qualidade e ter em conta o sexo, a idade e cultura dos interessados.
  1. Os serviços de apoio individualizados, que não permitem a livre escolha e controle por parte das pessoas com deficiência, não garantem a vida independente. Os serviços de apoio residencial e de suporte combinado (entregues como um “pacote” combinado) são frequentemente oferecidos às pessoas com deficiência na premissa da eficiência de custos. No entanto, embora esta premissa em si possa ser refutada economicamente, os aspetos da eficiência de custos não devem prevalecer sobre o princípio do direito humano em jogo. A assistência pessoal e os assistentes pessoais não devem ser “partilhados” entre pessoas com deficiência, a não ser que tenha o livre e pleno consentimento da pessoa com deficiência que requereu assistência pessoal. A possibilidade de escolha é um dos três elementos-chave do direito de viver de forma independente na comunidade.
  1. O direito de desfrutar de serviços de apoio em pé de igualdade está vinculado ao dever de assegurar a participação e a intervenção das pessoas com deficiência nos processos relacionados com equipamentos e serviços sociais, a fim de assegurar que respondam a necessidades específicas, tenham em conta o sexo e a idade, e possam ser utilizados pelas pessoas com deficiência que assim podem participar espontaneamente na sociedade. No caso das crianças, a essência do direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade implica o direito de crescer em família.
  1. Elementos principais
  1. A Comissão considera importante identificar os elementos essenciais do artigo 19.º, a fim de assegurar que cada Estado Parte proporcione às pessoas com deficiência um nível mínimo de apoio padronizado e suficiente para exercer o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade. Os Estados Partes devem assegurar que os elementos essenciais do artigo 19.º sejam sempre respeitados, particularmente em tempos de crise financeira ou económica. Esses elementos principais são:

 (a) Garantir o direito à capacidade jurídica, de acordo com o comentário geral Nº 1 (2014) do Comissão sobre o reconhecimento igual perante a lei, para que as pessoas com deficiência, independentemente do tipo de deficiência possam decidir onde, com quem e como viver;

 

(b) Garantir a não discriminação no acesso a habitação, incluindo a renda e a acessibilidade adotando regulamentos obrigatórios de construção de edifícios que garantam habitação nova e reabilitada acessível;

 

(c) Desenvolver um plano de ação concreto para a vida independente das pessoas com deficiência dentro da comunidade, incluindo tomar medidas para facilitar dispositivos de apoio formal para a vida independente na sociedade, de modo que o apoio informal, por exemplo das famílias, não seja a única opção;

 

(d) Desenvolver, implementar e monitorizar a legislação, planos e diretrizes sobre os requisitos de acessibilidade aos e dos serviços gerais básicos e sancionar a sua não-conformidade, a fim de alcançar a igualdade na sociedade, incluindo a participação de pessoas com deficiência nas redes sociais. Garantir competências adequadas em tecnologias de informação e comunicação de forma a assegurar que essas tecnologias sejam desenvolvidas, entre outros aspetos, com base no desenho universal;

 

(e) Desenvolver um plano de ação concreto e tomar medidas para desenvolver e implementar serviços fundamentais de apoio personalizado, não partilhados e alicerçados sobre os direitos humanos das pessoas com deficiência, bem como outros tipos de serviços;

 

(f) Garantir que não haja retrocesso na prossecução do Artigo 19.º, a menos que tenham sido devidamente justificados e em conformidade com o direito internacional;

 

(g) Recolher dados quantitativos e qualitativos consistentes sobre as pessoas com deficiência, inclusive aquelas que ainda vivem em instituições;

 

(h) Utilizar todo o financiamento disponível, incluindo financiamentos regionais e fundos de cooperação para o desenvolvimento, a fim de organizar serviços de vida independente inclusivos e acessíveis.

 

                   III. Obrigações dos Estados Parte

 

  1. As obrigações dos Estados Partes devem refletir a natureza dos direitos humanos como direitos absolutos e imediatos (direitos civis e políticos) ou progressivamente aplicáveis (direitos económicos, sociais e culturais). O artigo 19.º (a) – o direito de escolher a residência, onde, como e com quem viver – é imediatamente aplicável, pois é um direito civil e político. O artigo 19.º (b) – o direito de acesso a serviços de apoio personalizados e controlados – é um direito económico, social e cultural. O artigo 19.º (c) – o direito a dispôr de serviços – é um direito económico, social e cultural, através do qual muitos dos serviços comuns, como TIC acessíveis, páginas Web, órgãos de comunicação social, cinemas, parques públicos, teatros e instalações desportivas são tanto direitos sociais como culturais. A realização progressiva implica a obrigação imediata de conceber e decidir sobre estratégias concretas, planos de ação e alocar recursos para desenvolver serviços de apoio, além de oferecer serviços gerais existentes ou novos inclusivos para pessoas com deficiência.
  1. A obrigação de respeitar não é só uma obrigação negativa. O aspeto positivo requer que os Estados Parte tomem todas as medidas necessárias para assegurar que nenhum direito consagrado no artigo 19.º. seja violado pelo Estado Parte ou por entidades privadas.
  1. A fim de alcançar a realização progressiva dos direitos económicos, sociais e culturais, os Estados partes devem tomar medidas alocando o máximo dos recursos disponíveis[5]. Essas etapas devem ser tomadas imediatamente ou num período de tempo razoavelmente curto. Tais medidas devem ser deliberativas, concretas, direcionadas e devem ser usado todos os meios apropriados[6]. A realização sistemática do direito à vida independente na comunidade requer mudanças estruturais. Em particular, aplica-se à desinstitucionalização em todas as suas formas.
  1. Os Estados-partes têm a obrigação imediata de dar início a um plano estratégico com prazos adequados e providenciar recursos para substituir quaisquer ambientes institucionalizados por serviços de apoio à vida independente, em estreita e respeitadora consulta com as organizações representativas das pessoas com deficiência. A margem de apreciação dos Estados Partes está relacionada com a implementação programática, mas não com novas formas de institucionalização. Os Estados partes devem desenvolver planos de transição em consulta direta com pessoas com deficiência, através das suas organizações representativas, a fim de assegurar a plena inclusão de pessoas com deficiência na comunidade.
  1. Quando um Estado Parte procurar introduzir medidas regressivas em relação ao Artigo 19.º, por exemplo, em resposta à crise económica ou financeira, o Estado é obrigado a demonstrar que tais medidas são temporárias, necessárias e não discriminatórias, e que respeitam as suas obrigações fundamentais.[7]
  1. O dever de realização progressiva implica também uma presunção contra medidas regressivas no gozo de direitos económicos, sociais e culturais. Tais medidas privam as pessoas com deficiência de exercer o seu pleno direito de viver independentemente e serem incluídas na comunidade. Como consequência, as medidas regressivas constituem uma violação do artigo 19.º.
  1. Os Estados Partes estão proibidos de tomar medidas regressivas com respeito às obrigações fundamentais mínimas relevantes para o direito à vida independente na comunidade, elencadas neste comentário geral.
  1. Os Estados Partes têm a obrigação imediata de eliminar a discriminação contra indivíduos ou grupos de pessoas com deficiência e garantir o seu igual direito a viver de maneira independente e a participar da comunidade. Para tal os Estados Partes devem revogar ou reformular as políticas, leis e práticas que impeçam as pessoas com deficiência a, por exemplo, escolher o seu local de residência, o acesso a habitação acessível e a preços acessíveis, aluguer de alojamento e o acesso a equipamentos e serviços gerais convencionais, como a sua independência exigiria. O dever de proporcionar acomodações razoáveis (art.º 5 (3)) também não está sujeito à realização progressiva.
  1. Obrigação de respeitar
  1. A obrigação de respeitar exige que os Estados Partes se abstenham de qualquer interferência direta ou indireta no exercício individual do direito de viver de maneira independente e de ser incluído na comunidade, e que não limitem de forma alguma o referido exercício. Os Estados Partes não devem limitar ou negar a vida independente através, por exemplo, de leis que restrinjam direta ou indiretamente as escolhas das pessoas com deficiência sobre o seu local de residência ou onde, como e com quem quer viver, assim como a sua autonomia. Da mesma forma, devem modificar as leis que impedem o exercício dos direitos consagrados no artigo 19.º da Convenção.
  2. Esta obrigação impõe também aos Estados Partes que se abstenham de promulgar leis, adotar políticas e criar estruturas que mantenham os obstáculos no acesso a serviços de apoio, assim como aos equipamentos e serviços disponíveis para a população em geral. Os Estados Partes também são obrigados a revogar leis ou políticas e a eliminar equipamentos que ter tal efeito.Implica também a obrigação de libertar todas as pessoas que estão confinadas contra sua vontade em serviços de saúde mental ou outras formas específicas de privação de liberdade. Inclui ainda a proibição de todas as formas de tutela e a obrigação de substituir os regimes de decisão substituídos por formas alternativas de tomada de decisão apoiadas.
  1. O respeito pelos direitos das pessoas com deficiência de acordo com o artigo 19.º exige que os Estados-Partes abandonem progressivamente a institucionalização. Nenhuma nova instituição pode ser construída pelos Estados Partes; As instituições existentes não podem ser renovadas, com exceção das medidas de emergência necessárias para preservar a segurança física dos residentes. As Instituições não devem ser aumentadas, não devem entrar novos residentes para o lugar daqueles que saem, e as residências aparentemente individuais (apartamentos ou casas individuais) mas que estão adstritas a instituições, não devem ser consentidas.
  1. Obrigação de proteger
  1. A obrigação de proteger exige que os Estados Partes tomem medidas para impedir que os membros da família ou terceiros interfiram direta ou indiretamente no direito das pessoas com deficiência à autonomia de vida e à inclusão social. O dever de proteger exige que os Estados Partes implementem leis e políticas que proíbam os membros da família ou terceiros, os prestadores de serviços, proprietários de terras ou prestadores de serviços gerais, que prejudiquem o pleno gozo do direito a ser incluído e a viver independentemente dentro da comunidade.
  1. Os Estados Partes devem assegurar que não sejam alocados fundos públicos ou privados para o funcionamento, renovação ou construção de instituições novas ou existentes ou outra qualquer forma de institucionalização. Além disso, os Estados-Partes devem garantir que não sejam criadas instituições privadas sob a aparência de “vida comunitária”.
  1. Os serviços de apoio devem ser baseados nos requisitos individuais e não no interesse do prestador de serviços. Os Estados partes devem estabelecer mecanismos de monitorização dos prestadores de serviços, adotar medidas que protejam as pessoas com deficiência de serem escondidas na família ou isoladas em instituições, proteger as crianças de serem abandonadas ou institucionalizadas em razão de deficiência e estabelecer mecanismos apropriados para detetar situações de violência contra pessoas com deficiência por terceiros. Os Estados partes também devem proibir que diretores e / ou administradores de instituições residenciais assumam a tutoria dos residentes.
  1. A obrigação de proteger também inclui a proibição de práticas discriminatórias, como a exclusão de indivíduos ou grupos do acesso a determinados serviços. Os Estados Partes devem proibir terceiros de introduzir obstáculos práticos ou administrativos à vida independente e inclusão de pessoas com deficiência na sociedade e devem impedi-los de fazê-lo, por exemplo, assegurando que os serviços prestados estejam alinhados com a vida independente, que não lhes seja negada a possibilidade de alugar habitação e que não estejam em desvantagem no mercado da habitação. Os serviços abertos ao público e destinados ao público em geral, como bibliotecas, piscinas, parques ou espaços públicos, lojas, correios e cinemas, devem ser acessíveis e adaptados às necessidades das pessoas com deficiência, tal como é indicado no Comentário Geral do Comitê de Acessibilidade No. 2 (2014).
  1. Obrigação de cumprir
  1. A obrigação de cumprir exige que os Estados Partes promovam, facilitem e adotem medidas legislativas, administrativas, orçamentais, judiciais, programáticas, promocionais e outras medidas adequadas para assegurar a plena realização do direito de viver de maneira independente e de ser incluído na comunidade, conforme consagrado na Convenção. Também exige que os Estados Partes tomem medidas para eliminar barreiras práticas à plena realização desse direito, tais como habitação inacessível, acesso limitado a serviços de apoio para pessoas com deficiência, instalações comunitárias, bens e serviços inacessíveis e preconceitos contra as pessoas com deficiência.
  1. Os Estados-Partes devem assegurar aos membros da família de pessoas com deficiência formas de apoio para que o seu familiar com deficiência possa exercer o seu direito de viver independentemente e de ser incluído na sociedade.
  1. Ao implementar a legislação, políticas e programas, os Estados Partes devem consultar e envolver ativamente as pessoas com diversos tipos de deficiência, através das suas organizações representativas em todos os aspetos relacionados com a vida independente, em particular, no que respeita à criação de serviços de apoio e ao investimento de recursos nesses serviços na comunidade.
  1. Os Estados Partes devem adotar uma estratégia e um plano de ação concreto para a desinstitucionalização. Este plano inclui a obrigação de implementar reformas estruturais, melhorar a acessibilidade para pessoas com deficiência dentro da comunidade e sensibilizar o conjunto da população sobre a inclusão das pessoas com deficiência na comunidade.
  1. A desinstitucionalização também requer uma transformação sistémica, que inclui o encerramento de instituições e a eliminação de normas de institucionalização como parte de uma estratégia abrangente, juntamente com o estabelecimento de uma gama de serviços de apoio personalizados, que incluem planos individualizados para a transição com orçamentos e prazos, bem como serviços de apoio inclusivos. Logo, é necessária uma abordagem interinstitucional coordenada, que garanta reformas, orçamento e mudança de atitude a todos os níveis e setores do governo, incluindo as autoridades locais.
  1. As despesas relacionadas com a deficiência devem ser cobertas por programas de apoio à vida independente no seio da comunidade. Além disso, para garantir o sucesso da desinstitucionalização, é essencial assegurar a disponibilização de um número suficiente de habitações acessíveis e a preços acessíveis, incluindo habitação familiar. Também é importante que o acesso à habitação não esteja condicionado a requisitos que reduzam a autonomia e independência das pessoas com deficiência. Os edifícios e espaços públicos, bem como todos os tipos de transporte, devem ser projetados para atender às necessidades de todas as pessoas com deficiência. Os Estados Partes devem tomar medidas voluntárias e imediatas de afetação de recursos financeiros para realizar o direito das pessoas com deficiência a viver de forma independente na sociedade.
  2. Os serviços de apoio a pessoas com deficiência devem estar disponíveis e acessíveis, a custos razoáveis, aceitáveis e adaptáveis a todas as pessoas com deficiência e devem ter em conta as diferentes condições de vida, como, o rendimento individual ou familiar e as circunstâncias individuais, como sexo, idade, nacionalidade ou origem étnica, identidade linguística, religiosa, sexual e / ou de género. O modelo da deficiência baseado nos direitos humanos não permite excluir pessoas com deficiência por qualquer motivo, incluindo o tipo e quantidade de serviços de apoio necessários. Os serviços de apoio, incluindo a assistência pessoal, não devem ser partilhados com outras pessoas, a menos que sejam baseados numa decisão por meio de consentimento livre e esclarecido.
  3. Os Estados Partes devem ter em conta os seguintes elementos nos critérios de elegibilidade para ao direito a assistência: a avaliação da deficiência deve ser baseada nos direitos humanos, concentrar-se nas necessidades da pessoa devido às barreiras existentes na sociedade e não na deficiência, ter em conta a vontade e as preferências da pessoa e assegurar a plena participação das pessoas com deficiência no processo de tomada de decisão.
  4. As transferências monetárias, como subsídios de invalidez, representam uma das formas pelas quais os Estados Partes prestam apoio a pessoas com deficiência, de acordo com os artigos 19.º e 28.º da Convenção. Estas transferências monetárias frequentemente reconhecem as despesas inter-relacionadas com a deficiência e a inclusão de pessoas com deficiência na comunidade. As transferências de apoio financeiro também apoiam em situações de pobreza e extrema pobreza que as pessoas com deficiência podem enfrentar. Os Estados Partes não devem aumentar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, reduzindo o apoio financeiro em tempos de crise económica ou financeira ou através de medidas de austeridade que sejam inconsistentes com os padrões de direitos humanos estabelecidos no parágrafo 38.º.
  1. O apoio a pessoas com deficiência deve ser avaliado, através de uma abordagem personalizada e adaptado às atividades específicas e às barreiras reais que as pessoas com deficiência enfrentam na inclusão na sociedade. A avaliação deve reconhecer que as pessoas com deficiência necessitam de acesso para participar em atividades que variam ao longo do tempo. Os Estados Partes devem assegurar que a personalização do apoio, incluindo transferências monetárias / orçamentos pessoais, têm em consideração e atendem os desafios que as pessoas com deficiência enfrentam quando vivem em áreas rurais e / ou urbanas.
  2. Os Estados Partes devem fornecer e divulgar informações precisas atualizadas e precisas, essenciais para a tomada de decisões informadas sobre opções de vida independente e serviços de apoio na comunidade em formatos acessíveis, incluindo braille, língua gestual, tátil, formatos de leitura fácil e modos alternativo e aumentativos de comunicação.
  3. Os Estados devem assegurar que o pessoal que trabalha ou que vai trabalhar em serviços relacionados com a deficiência, tais como pessoal dos serviços, decisores e funcionários que supervisionam serviços para pessoas com deficiência, recebam formação adequada sobre vida independente, na teoria e na prática. Também devem estabelecer critérios, de acordo com o artigo 19.º, para habilitar as entidades que solicitam autorização para prestar apoio às pessoas com deficiência que lhes permita viver na comunidade e avaliar o modo como estas entidades desempenham as suas funções. Os Estados Partes também devem assegurar que a cooperação internacional de acordo com o artigo 32.º e os investimentos e projetos dela decorrentes não contribuam para a perpetuação de barreiras à vida independente, antes as eliminem barreiras e apoiem a implementação do direito a viver independentemente e a ser incluído na comunidade. Após situações de desastre, é importante não reconstruir barreiras, elemento que faz parte integrante da aplicação do artigo 11.º da Convenção.
  4. Os Estados Partes devem assegurar às pessoas com deficiência o acesso à justiça, prestar assistência legal e assessoria jurídica adequada, disponibilizar recursos e apoio, inclusive por meio de adaptações razoáveis e processuais, quando estas afirmarem o seu direito à autonomia de vida dentro da comunidade.
  5. Os Estados Partes devem fornecer serviços de apoio adequados aos cuidadores familiares, para que possam, por sua vez, apoiar o seu filho ou parente a viver de forma independente na comunidade. Esse suporte inclui serviços de assistência temporária, serviços de assistência infantil e outros serviços parentais de apoio. O apoio financeiro também é fundamental para os cuidadores familiares, que muitas vezes vivem em situações de extrema pobreza, sem a possibilidade de aceder ao mercado de trabalho. Os Estados Partes também devem fornecer apoio social às famílias e promover o desenvolvimento de serviços de aconselhamento, círculos de apoio e outras opções de apoio adequadas.
  6. Os Estados-partes devem realizar regularmente pesquisas e outras formas de análise que forneçam dados sobre as barreiras físicas, de comunicação, ambientais, de infraestruturas e atitudinais experienciadas pelas pessoas com deficiência e os requisitos para implementar a vida independente.
  1. Relação com outras disposições da Convenção
  1. O direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade está inter-relacionado com o gozo de outros direitos humanos previstos na Convenção. Ao mesmo tempo, é mais do que a soma desses direitos, uma vez que afirma que todos os direitos devem ser exercidos e desfrutados na comunidade em que uma pessoa escolhe viver e na única em que pode desenvolver livremente e plenamente a sua personalidade.
  2. É fundamental consultar e o envolver ativamente as pessoas com deficiência, através das suas organizações representativas (art. 4.º (3)) para a adoção de todos os planos e estratégias, bem como para o acompanhamento e monitorização da implementação da vida independente. Os decisores, a todos os níveis, devem envolver ativamente e consultar todas as pessoas com deficiência, incluindo as organizações de mulheres com deficiência, de pessoas idosas com deficiência, de crianças com deficiência, pessoas com deficiência psicossocial e pessoas com deficiência intelectual.
  3. A não discriminação (art. 5.º), em termos de vida independente e inclusão na comunidade, é importante no que diz respeito ao acesso e utilização de serviços de apoio. Os Estados Partes devem definir critérios de elegibilidade e procedimentos de acesso aos serviços de apoio de forma não discriminatória, objetivamente focados nos requisitos da pessoa, e não na deficiência, seguindo uma abordagem que respeite os direitos humanos. A criação de serviços específicos para pessoas com deficiência nas circunstâncias particulares de tais pessoas e de acordo com as suas necessidades, tais como serviços para crianças, estudantes, funcionários e pessoas idosas com deficiência, não deve ser considerado como uma violação discriminatória da Convenção, mas sim como uma ação afirmativa justa e legalmente disponível. As pessoas com deficiência que enfrentam discriminação em relação ao artigo 19.º devem ter à sua disposição recursos legais efetivos e acessíveis.
  4. Muitas vezes, mulheres e meninas com deficiência (artigo 6) sofrem maior exclusão e isolamento e enfrentam mais restrições quanto ao local de residência e ao seu modo de vida devido aos estereótipos paternalistas e aos modelos sociais patriarcais que discriminam as mulheres na sociedade. As mulheres e meninas com deficiência também estão sujeitas a discriminação múltipla, intersectorial e de género, e correm maior risco de serem institucionalizadas e sofrerem violência, incluindo violência sexual, abuso e assédio. Os Estados partes devem providenciar recursos legais e serviços de apoio que sejam economicamente acessíveis ou gratuitos para as vítimas de violência e abuso. As mulheres com deficiência vítimas de violência doméstica tendem a ser mais dependentes económica, física ou emocionalmente dos seus agressores, que muitas vezes agem como cuidadores, uma situação que impede as mulheres com deficiência de abandonar relacionamentos abusivos e leva a um maior isolamento social. Portanto, ao implementar o direito de viver independentemente e ser incluído na comunidade, deve-se dar atenção especial à igualdade de género, à eliminação da discriminação baseada no género e aos padrões sociais patriarcais.
  5. As normas e valores culturais podem restringir negativamente as opções e o controle de mulheres e raparigas com deficiência sobre o seu sistema de vida, limitar a sua autonomia, obrigá-los a viver de determinada maneira, exigir que se abstraiam das suas próprias necessidades e ao invés disso sirvam aos outros e desempenhem determinados papéis dentro da família[8]. Os Estados Partes devem tomar medidas para combater a discriminação e as barreiras contra as mulheres no acesso aos serviços e apoio social, bem como assegurar que as políticas, programas e estratégias relativos ao acesso a serviços sociais e apoio tenham em devida conta a igualdade entre mulheres e homens.
  6. Os Estados partes também devem garantir que as medidas destinadas ao desenvolvimento, capacitação e promoção de mulheres e raparigas com deficiência (artigo 6.º (2)) abordem as desigualdades baseadas no género no acesso ao apoio e à proteção social. Os Estados Partes devem adotar medidas adequadas de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (em termos de recursos, tempo, serviços) que apoiem as mulheres com deficiências na (re) entrada no mercado de trabalho aberto e assegurem direitos e responsabilidades iguais entre mulheres e homens para o exercício das responsabilidades parentais[9]. É também responsabilidade dos Estados-partes garantir que os abrigos para vítimas de violência baseada em género sejam totalmente acessíveis a mulheres e raparigas com deficiências.
  7. A existência de serviços de apoio destinados a meninas e meninos com deficiência, apropriados e adaptados à idade, é de vital importância para o igual gozo dos seus direitos humanos (art. 7.º). Respeitar as capacidades em evolução das crianças com deficiência e apoiá-las para terem voz nas escolhas que as afetam é fundamental. Também é importante disponibilizar apoio, informação e orientação às famílias (art. 23.º) para prevenir a institucionalização de crianças com deficiência e ter políticas inclusivas sobre adoção para garantir a igualdade de oportunidades para crianças com deficiência.
  8. Quando se trata de interações sociais e relacionamentos com colegas, os adolescentes podem preferir a assistência pessoal ou intérpretes profissionais de língua gestual ao apoio informal fornecido por parentes. Os Estados Partes devem estabelecer formas inovadoras de apoio e serviços acessíveis para crianças e adolescentes com deficiência, pessoalmente ou por meio de suas organizações. As crianças com deficiência podem precisar de apoio para praticar desportos ou atividades na comunidade de acordo com a idade. Os adolescentes com deficiência devem ter tempo para participar em atividades de lazer com os seus pares da mesma idade. Os Estados Partes devem fornecer dispositivos e tecnologias de apoio que possam facilitar a inclusão de adolescentes com deficiência nas suas redes de amigos. Além disso, os serviços que facilitam a transição dos jovens para a vida adulta, incluindo apoio para sair da casa da família logo que comecem a trabalhar e quando ingressem no ensino superior, são cruciais no apoio à vida independente.
  9. A consciencialização (art. 8.º) é essencial para criar comunidades abertas, solidárias e inclusivas, já que o artigo 19.º, em última instância, trata da transformação das comunidades. Os estereótipos, discriminações e equívocos que impedem as pessoas com deficiência de viver de forma independente devem ser erradicados e deve ser transmitida uma imagem positiva e dar a conhecer os contributos da inclusão para a sociedade. A consciencialização deve abranger as autoridades, funcionários públicos, profissionais, a comunicação social, o público em geral, as pessoas com deficiência e as suas famílias. Todas as atividades de consciencialização devem ser realizadas em estreita cooperação com as pessoas com deficiência através das suas organizações representativas.
  10. Os direitos previstos no artigo 19.º estão vinculados às obrigações dos Estados Partes em relação à acessibilidade (art. 9.º) porque a acessibilidade geral de todos os ambientes construídos, transportes, informações, comunicações e instalações e serviços abertos ao público numa respetiva comunidade é uma pré-condição para viver de forma independente na comunidade. O Artigo 9.º requer a identificação e eliminação de barreiras em edifícios abertos ao público, assim como a revisão de códigos de construção e de planeamento urbano, a inclusão de padrões de desenho universal nos diferentes setores e o estabelecimento de normas de acessibilidade no setor da habitação.
  11. Os Estados Partes devem ter em conta por antecipação a obrigação de prestar serviços de apoio às pessoas com deficiência em todas as atividades de gestão dos riscos em caso de catástrofe (art. 11.º) e garantir que as pessoas com deficiência não sejam deixadas para trás ou esquecidas. Também é importante que as barreiras não sejam reconstruídas após situações de conflito armado, emergências humanitárias ou a ocorrência de desastres naturais. Os processos de reconstrução devem garantir total acessibilidade para a vida independente das pessoas com deficiência no seio da comunidade.
  12. O igual reconhecimento perante a lei (art. 12.º) garante que todas as pessoas com deficiência têm o direito de exercer a sua plena capacidade legal e, portanto, têm o mesmo direito de escolher e controlar as suas próprias vidas escolhendo onde, com quem e como querem viver e receber apoio de acordo com a sua vontade e preferências. Para realizar plenamente a transição para a tomada de decisão apoiada e implementar os direitos consagrados no artigo 12.º, é imperativo que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de desenvolver e expressar a sua vontade e preferências, a fim de exercer a sua capacidade legal em igualdade com os outros. Para tal, precisam de fazer parte da sociedade. Além disso, o apoio no exercício da capacidade jurídica deve ser fornecido usando uma abordagem baseada na comunidade, que respeite a vontade e as preferências das pessoas com deficiência.
  13. O acesso à justiça, tal como consagrado no artigo 13.º, é fundamental para assegurar o pleno gozo do direito à vida independente. Os Estados Partes devem assegurar que todas as pessoas com deficiência tenham capacidade jurídica e de ação nos tribunais. Os Estados-Partes devem, além disso, assegurar que todas as decisões relativas a viver de forma independente na comunidade sejam passíveis de recurso. O apoio para permitir a vida independente na comunidade deve ser aplicável como um direito e uma prerrogativa. Para garantir o acesso igual e efetivo à justiça, são essenciais os direitos substantivos ao acompanhamento jurídico, apoio e ajustes processuais de acordo com a idade.
  14. A institucionalização involuntária com base na deficiência ou em circunstâncias associadas, tais como presumível “perigosidade” e outros fatores, conforme elaborado nas diretrizes da Comissão sobre o artigo 14.º, é frequentemente causada ou facilitada pela falta de serviços específicos de apoio à deficiência. A implementação do artigo 19.º, portanto, acabará por impedir a violação do artigo 14.º.
  15. É de suma importância assegurar que os serviços de apoio não deixem margem para potenciais abusos, exploração ou qualquer violência contra as pessoas com deficiência (art. 16.º). Devem ser disponibilizados mecanismos de monitorização, recursos legais e meios de reparação que tenham em conta a deficiência, o género e a idade, para todas as pessoas com deficiência que usam os serviços mencionados no artigo 19.º e que podem sujeitos a abuso, violência e exploração. Como as instituições tendem a isolar as pessoas que nelas residem do resto da comunidade, as mulheres e meninas com deficiências institucionalizadas são mais suscetíveis à violência baseada no género, incluindo esterilização forçada, abuso físico e sexual, abuso emocional e maior isolamento. Também enfrentam maiores obstáculos para denunciar essa violência. É imperativo que os Estados incluam essas questões na monitorização das instituições e garantam o acesso à reparação para as mulheres com deficiência que estão expostas à violência baseada em género nessas instituições.
  16. Sem apoio para assegurar a mobilidade pessoal (art. 20.º), os obstáculos à vida independente e à inclusão na sociedade persistem para as pessoas com deficiência. A disponibilização de ajudas à mobilidade, aparelhos e acessórios, tecnologias de assistência formas de apoio tanto humanas como animais e dispositivos técnicos e mediadores de qualidade a custos acessíveis, como consagrado no artigo 20.º, é uma pré-condição para a plena inclusão e participação de pessoas com deficiência nas respetivas sociedades.
  17. As pessoas com deficiência têm o direito de aceder a todas as informações públicas em formatos acessíveis e solicitar e receber essas informações e expressar as suas ideias em igualdade de condições com os demais (art. 21.º). A comunicação deve ser fornecida em formatos à sua escolha, incluindo braille, língua gestual, tátil, formatos de leitura fácil e comunicação alternativa. É importante que a comunicação e a circulação da informação se faça nos dois sentidos e que os serviços e dispositivos sejam acessíveis às pessoas que usam diferentes formas de comunicação. É de particular importância que a informação sobre serviços de apoio e esquemas de proteção social, incluindo mecanismos relacionados com a deficiência, seja acessível e esteja disponível a partir de uma diversidade de fontes para permitir às pessoas com deficiência tomar decisões e escolhas informadas sobre onde, com quem e como viver e que tipos de serviços são os mais adequados. Também é de importância crítica que os mecanismos destinados a fazer observações e a formular queixas ofereça modos de comunicação acessível.
  18. Os Estados Partes devem assegurar que, na prestação dos serviços de apoio previstos no artigo 19.º, a privacidade, a família, o lar, a correspondência e a honra das pessoas com deficiência sejam protegidos de qualquer interferência ilegal (art. 22.º). No caso de tal interferência, devem existir serviços de monitorização, recursos legais e meios de reparação que levem em consideração a deficiência, género e idade para todas as pessoas com deficiência.
  19. O direito a viver de forma independente na comunidade está intimamente ligado ao direito dos filhos e dos pais com deficiência a viver em família (art. 23.º). A ausência de apoio e serviços baseados na comunidade, pode criar pressões financeiras e restrições para a família das pessoas com deficiência; os direitos consagrados no artigo 23.º da Convenção são essenciais para evitar que as crianças sejam retiradas das suas famílias e sejam institucionalizadas, bem como para apoiar as famílias na vida em comunidade. Esses direitos são igualmente importantes para garantir que as crianças não sejam tiradas dos seus pais devido à deficiência destes últimos. Os Estados Partes devem fornecer informações, orientação e apoio às famílias para garantir os direitos dos seus filhos e promover a inclusão e participação na comunidade.
  20. Viver de forma independente e ser incluído na comunidade está intrinsecamente ligado à educação inclusiva (art. 24.º) e requer o reconhecimento do direito das pessoas com deficiência de viver de forma independente e desfrutar da inclusão na sociedade e de nela participar[10]. A inclusão de pessoas com deficiência no sistema educacional geral favorece mais a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. A desinstitucionalização também implica a introdução da educação inclusiva. Os Estados Partes devem observar o papel que o exercício do direito à educação inclusiva terá na construção das competências, capacidades e conhecimento necessários para que todas as pessoas com deficiência desfrutem, beneficiem e contribuam para as suas comunidades.
  21. Os equipamentos e serviços de saúde polivalentes, que ofereçam hospitalização, serviços cirúrgicos e consultas médicas (seção 25), devem estar disponíveis para as pessoas com deficiência, devem estar localizados na proximidade, serem acessíveis e adaptados a estas e terem preços acessíveis; isso inclui o apoio exigido por algumas pessoas com deficiências (por exemplo, pessoas com necessidades complexas de comunicação, deficiências psicossociais ou intelectuais e / ou surdas). Os serviços de enfermagem, de fisioterapia, psiquiatria ou psicologia, tanto em hospitais como em casa, faz parte dos cuidados de saúde e deve ser considerada como uma obrigação a ser cumprida pelo Estado Parte ao abrigo do Artigo 25.º e não do artigo 19.º

As equipamentos e serviços gerais de saúde (art. 25.º) devem estar disponíveis, serem acessíveis, adaptáveis e aceitáveis para pessoas com deficiência nas comunidades, incluindo o apoio exigido por algumas pessoas com deficiência (com requisitos de comunicação complexos, deficiências psicossociais, deficiências intelectuais e surdos) durante as hospitalizações, cirurgias e consultas médicas. A disponibilização de enfermeiras, fisioterapeutas, psiquiatras ou psicólogos nos hospitais, bem como em casa, é uma parte dos cuidados de saúde e não deve ser visto como o cumprimento da obrigação de um Estado Parte nos termos do artigo 19.º, mas sob o artigo 25.º.

 

  1. Há interdependência entre vida independente na comunidade, habilitação e reabilitação (art. 26.º). Para algumas pessoas com deficiência, a participação em serviços de reabilitação não é possível se não receberem apoio individualizado suficiente. Ao mesmo tempo, o propósito da reabilitação é permitir que pessoas com deficiência participem plena e efetivamente na comunidade. A habilitação e reabilitação de uma pessoa com deficiência deve sempre respeitar o seu consentimento livre e esclarecido. A habilitação e a reabilitação são predominantemente relevantes em relação à educação, emprego, saúde e questões sociais.
  2. A existência de serviços de apoio individualizados, incluindo assistência pessoal, muitas vezes é uma pré-condição para o gozo efetivo do direito ao trabalho e ao emprego (art. 27.º). Além disso, as pessoas com deficiência devem também tornar-se empregadores, gestores ou formadores em serviços específicos de apoio a pessoas com deficiência. A implementação do artigo 19.º ajudará, assim, a eliminar o emprego protegido.
  3. Para assegurar que as pessoas com deficiência desfrutem de um padrão de vida adequado (art. 28.º), os Estados Partes devem fornecer, inter alia, acesso a serviços de apoio que lhes permitam viver de forma independente. Portanto, os Estados Partes têm a obrigação de garantir o acesso a serviços, dispositivos e outras formas de assistência de acordo com a deficiência que sejam apropriados e acessíveis, especialmente para as pessoas com deficiência que vivem na pobreza. Além disso, é necessário o acesso a programas habitacionais públicos e subsidiados na comunidade. Considera-se contrário à Convenção que as pessoas com deficiência paguem a expensas suas as despesas relacionadas com a deficiência.
  4. A fim de influenciar e tomar parte nas decisões que afetam o desenvolvimento da sua comunidade, todas as pessoas com deficiência devem gozar e exercer os seus direitos de participação na vida política e pública (art. 29), pessoalmente ou por meio das organizações que os representam. O apoio apropriado pode garantir uma assistência valiosa às pessoas com deficiência no exercício de seu direito de voto, de participar da vida política e de conduzir assuntos públicos. É importante assegurar que os assistentes ou outros funcionários de apoio não restrinjam ou abusem das opções que as pessoas com deficiência tomam no exercício do seu direito de voto.
  5. A vida cultural, recreativa, de lazer e o desporto (art. 30.º) são dimensões importantes da vida em sociedade através das quais a inclusão pode ser melhorada e alcançada, por exemplo, assegurando que os eventos, atividades e instalações sejam inclusivos e acessíveis a pessoas com deficiência. Os assistentes pessoais, guias, leitores, intérpretes de língua gestual e intérpretes táteis, entre outros, contribuem para uma vida inclusiva na comunidade de acordo com a vontade e as preferências das pessoas com deficiência. É importante que o uso de apoio de qualquer tipo seja considerado parte das despesas relacionadas com a deficiência, uma vez que tais serviços de apoio ajudam a promover a inclusão na comunidade e a vida independente. Os assistentes necessários para participar nas atividades culturais e de lazer devem estar isentos de pagar entrada. Tanto a nível nacional como internacional não deve haver restrições sobre quando, onde e para que tipo de atividades se pode usar a assistência.
  6. Os dados e informações devem ser sistematicamente desagregados (art. 31.º) devido à deficiência em todos os setores, inclusive no que diz respeito à habitação, condições de vida, esquemas de proteção social, bem como acesso à vida independente e apoio e serviços. A informação deve permitir análises regulares sobre o progresso da desinstitucionalização e da transição para serviços de apoio na comunidade. É importante que os indicadores reflitam as circunstâncias específicas de cada Estado Parte.
  7. A cooperação internacional (art. 32.º) deve ser conduzida de forma a garantir que a ajuda externa seja investida em serviços de apoio nas comunidades locais que respeitem a vontade e as preferências das pessoas com deficiência e que tenham o direito de escolher onde, com quem e sob que formas de vida querem viver, em conformidade com o artigo 19º. Investir dinheiro obtido no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento de novas instituições ou locais de confinamento ou modelos institucionais de cuidados não é aceitável, pois leva à segregação e isolamento de pessoas com deficiência.
  8. V. Implementação a nível nacional

A Comissão faz observar que os Estados Partes podem enfrentar desafios a nível nacional na implementação do direito a viver de forma independente e a ser incluído na sociedade. No entanto, de acordo com o conteúdo normativo e as obrigações descritas acima, os Estados Partes devem tomar as seguintes medidas para assegurar a plena implementação do artigo 19.º da Convenção:           

(a) Revogar todas as leis que impedem qualquer pessoa com deficiência, independentemente do tipo de deficiência, de escolher onde, com quem e como viver, incluindo o direito de não ser internado com base na deficiência qualquer que ela seja;

(b) Promulgar e aplicar leis, normas e outras medidas com o objetivo de tornar as comunidades locais e o meio ambiente, bem como a informações e a comunicação acessíveis a todas as pessoas com deficiência;

(c) Assegurar que os programas de proteção social respondam às necessidades das pessoas com deficiência na sua diversidade e em igualdade de condições com as demais pessoas;

(d) Inscrever o princípio do desenho universal tanto para os espaços físicos como virtuais nas políticas, leis, normas e outras disposições, incluindo a monitorização da realização / implementação destas obrigações. Rever os seus códigos de construção para cumprir os princípios do desenho universal e as disposições legislativas relativas à construção, conforme descrito na observação geral n.º. 2 (2014) Acessibilidade da Comissão;

(e) Disponibilizar a todas as pessoas com deficiência direitos substantivos e processuais para viverem independentemente na comunidade;

(f) Informar as pessoas com deficiência sobre o seu direito a viver de forma independente e a ser incluído na comunidade para que possam compreendê-lo e presar formação com o objetivo de que as pessoas com deficiência aprendam como fazer valer seus direitos;

(g) Adotar estratégias claras e específicas para a desinstitucionalização com prazos específicos e orçamentos adequados, a fim de eliminar todas as formas de isolamento, segregação ou institucionalização de pessoas com deficiência. Deve ser dada atenção especial a pessoas com deficiências psicossociais e / ou intelectuais e crianças com deficiência atualmente colocados em instituições;

(h) Elaborar programas de consciencialização que combatam atitudes e estereótipos negativos sobre as pessoas com deficiência e consigam transformar a comunidade, num esforço para criar serviços tradicionais personalizados e acessíveis;

  1. i) Assegurar a participação das pessoas com deficiência, pessoalmente e através das suas organizações representativas, na transformação de serviços de apoio e das comunidades, na formulação e execução de estratégias de desinstitucionalização;

(j) Conceber políticas e disposições legislativas abrangentes e alocar recursos financeiros para a construção de habitação acessível e a preços razoáveis, ambiente construído, espaços públicos e transportes, definindo o tempo suficiente para a implementação e sanções efetivas, dissuasivas e proporcionais em caso de incumprimentos por parte das autoridades públicas ou privadas;

(k) Alocar recursos para o desenvolvimento de serviços de apoio adequados e suficientes autodirigidos pelas pessoas / utilizadores e auto gerenciados para todas as pessoas com deficiência, incluindo assistência pessoal, guias, leitores, intérpretes de língua gestual e outros profissionais;

  1. l) Organizar processos concursais para a prestação de serviços de apoio para que as pessoas com deficiência vivam de forma independente na comunidade e que tenham em conta o conteúdo normativo do artigo 19.º;

(m) Estabelecer mecanismos para monitorizar as instituições existentes e serviços residenciais existentes, as estratégias de desinstitucionalizações e a implementação da vida independente dentro da comunidade, tendo em mente o papel das estruturas de monitorização independentes; e

(n) A monitorização e a implementação previstas no artigo 19.º devem ser realizadas em plena consulta e participação das pessoas com deficiência por meio de suas organizações representativas.

 

* Tradução da Associação Portuguesa de Deficientes

[1] Ver Comissão dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, observação geral n.º 3 (1990) subre a natureza das obrigações dos Estados Partes, para. 1 e 2.

[2] Ver Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 22 Comissão dos Direitos Humanos observação geral n.º 27 (1997) sobre a liberdade de circulação, para. 1; Comissão dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, observação geral n.º 4 (1991) sobre o direito a habitação digna.

[3] Ver Comissão dos Direitos da Criança, observação geral n.º 9 (2006) sobre os direitos das crianças com deficiência , para. 47.

[4] Diretivas sobre o direito à liberdade e à segurança das pessoas com deficiência /A/72/55, anexo)

[5] Ver artigo 2 (para. 1) do Pacto Internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais e o artigo 4. (para. 2) da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

[6] Ver observação geral n.º 3 da Comissão dos Direitos Económicos, Sociai e Culturais, para. 2,

[7] Carta datada de 16 de maio de 2012 dirigida aos Estados Partes no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelo Presidente da Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, disponível em : http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CESCR/Shared%20Documents/ 1_Global/INT_CESCR_SUS_6395_F.pdf.

[8] Ver Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, observação geral n.º 3 (2016) sobre mulheres e raparigas com deficiência

[9] Idem., par. 8,18,29 e 55

[10] Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, observação geral n.º 4 (2016) sobre o direito à educação inclusiva

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