Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência *
Décima oitava sessão
14 a 31 de agosto de 2017
Ponto 8 da agenda provisória
Comentários gerais
Comentário geral sobre o artigo 19.º: viver de forma independente e a ser incluído na comunidade
- Introdução
- Historicamente as pessoas com deficiência foram privadas da livre escolha e do controle pessoal e individual em todos os aspetos das suas vidas. Muitas foram consideradas incapazes de viver de forma independente nas comunidades da sua escolha. As medidas de acompanhamento não existem ou estão subordinadas a modos de vida específicos; as infraestruturas comunitárias não são projetadas universalmente. Os recursos são investidos em instituições, em vez de se desenvolverem soluções para que as pessoas com deficiência vivam de forma independente na comunidade. Tudo isto conduziu ao abandono, à dependência da família, à institucionalização, ao isolamento e à segregação.
- O artigo 19.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reconhece o direito igual de todas as pessoas com deficiência a viver de forma independente e a ser incluído na comunidade, com a liberdade de escolha e controlo das suas vidas. O seu fundamento é o primeiro princípio dos direitos humanos segundo o qual todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e toda a vida tem o mesmo valor.
- O artigo 19º sublinha que as pessoas com deficiência são sujeitos de direitos e detentores de direitos. Os princípios gerais da Convenção (artigo 3º), em particular o respeito pela dignidade, autonomia e independência inerentes ao indivíduo (artigo 3º (a)) e a participação e inclusão plena e efetiva na sociedade (artigo 3 (c)), são o fundamento do direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade. Outros princípios consagrados na Convenção também são essenciais para interpretar e aplicar o artigo 19.º.
- Na origem das ideias de vida independente e de inclusão na comunidade estão pessoas com deficiência que afirmam o controlo sobre a forma como querem viver, criando formas de apoio importantes, como a assistência pessoal e exigindo que as instalações da comunidade estejam de acordo com as prerrogativas do desenho universal.
- No preâmbulo da Convenção, os Estados Partes reconhecem que muitas pessoas com deficiência vivem na pobreza e sublinham a necessidade de abordar o impacto da pobreza. O custo da exclusão social é elevado, pois perpetua a dependência e, portanto, a interferência nas liberdades individuais. A exclusão social também origina o estigma, a segregação e a discriminação, que podem levar à violência, exploração, abuso. Também é a causa de estereótipos negativos que alimentam um ciclo de marginalização contra as pessoas com deficiência. As políticas e os planos de ação concretos a favor da inclusão social das pessoas com deficiência, incluindo a promoção do seu direito à vida independente (artigo 19.º), representam um mecanismo económico vantajoso para garantir o gozo dos direitos, o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza.
- O presente comentário geral tem como objetivo auxiliar os Estados Partes na implementação do artigo 19.º e no cumprimento das obrigações que lhes incumbem por força da Convenção. Trata-se principalmente das obrigações de assegurar a cada pessoa o direito de viver de forma independente e de ser incluída na comunidade, mas também está relacionada com outras disposições. O Artigo 19.º tem um papel distinto como um dos mais variados e mais intersectoriais artigos da Convenção e deve ser considerado como parte integrante da implementação de todos os artigos da Convenção.
- O artigo 19º não comporta apenas direitos civis e políticos, mas também económicos, sociais e culturais e ilustra a inter-relação, interdependência e indivisibilidade de todos os direitos humanos. O direito de viver de forma independente e ser incluído na comunidade só pode ser realizado se todos os direitos económicos, civis, sociais e culturais consagrados nesta norma forem cumpridos. O direito internacional dos direitos humanos impõe obrigações de efeito imediato e outras que podem ser realizadas progressivamente. O pleno exercício dos direitos civis e políticos ou sociais, económicos e culturais requer mudanças estruturais que podem ser realizadas por etapas, [1]
- O artigo 19.º reflete a diversidade das abordagens da vida humana segundo as culturas e garante que as suas disposições não dão preferência a normas e valores culturais particulares. Viver de forma independente e estar incluído na comunidade são princípios básicos da vida humana em todo o mundo, incluindo o contexto da deficiência. Significam para cada um poder exercer a liberdade de escolha e controle de decisões que afetam a própria vida com o nível máximo de autodeterminação e interdependência na sociedade. A realização deste direito deve ser efetiva em diferentes contextos económicos, sociais, culturais e políticos. O direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade refere-se a todas as pessoas com deficiência, independentemente raça, cor, descendência, sexo, estado de gravidez e maternidade, estado civil, situação familiar ou situação laboral, identidade de género, orientação sexual, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, estatuto social, aborígene ou social, estatuto de migrante, requerente de asilo ou estatuto de refugiado, pertença a uma minoria nacional, estatuto económico ou patrimonial, estado de saúde, predisposição genética ou outras a doenças, nascimento e idade, ou qualquer outra situação.
- O direito enunciado no artigo 19.º está profundamente enraizado no direito internacional de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos enfatiza no artigo 29.º (1) a interdependência entre o desenvolvimento pessoal de cada um e o carácter social de pertença à comunidade: ” O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.”. O artigo 19.º da Convenção tem as suas raízes nos direitos civis e políticos, e nos direitos económicos, sociais e culturais: o direito à liberdade de movimento e à liberdade de escolha da residência (artigo 12º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) e o direito a um nível de vida adequado, incluindo vestuário, comida e habitação adequados (artigo 11.º do Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais) e aos direitos básicos de comunicação constituem a base para o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade. A liberdade de movimento, um padrão de vida adequado, bem como a capacidade de compreender e fazer-se entender as suas preferências, escolhas e decisões informadas, são condições indispensáveis de respeito pela dignidade humana e pelo desenvolvimento pleno da personalidade[2].
- A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher realça a igualdade entre mulheres e homens e condena a discriminação contra as mulheres em todas as suas formas (art.1.º). Reafirma a igualdade das mulheres e homens perante a lei, particularmente a capacidade jurídica e a oportunidade de exercer essa capacidade (artigo 15.º (2)). Insta igualmente os Estados Partes a conceder aos homens e mulheres os mesmos direitos em relação à legislação relativa ao direito das pessoas à liberdade de movimento e a escolher sua residência e local de residência (artigo 15, parágrafo 4).
- O artigo 9.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança exige que os Estados Partes “garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Nos termos do artigo 18, n.º 2 “Os Estados Partes na presente Convenção “asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança.”. Além disso, o artigo 20.º, n.º 1 estabelece que a “criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito à proteção e assistência especiais do Estado.“ e que ” Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma proteção alternativa, nos termos da sua legislação nacional.” (Art. 20.º (2)). A prestação de cuidados alternativos com base na deficiência seria de natureza discriminatória.
- O artigo 23.º (1) desta Convenção estabelece ainda que todas as crianças com deficiência devem ter uma vida digna em condições que garantam a autossuficiência e facilitem a participação ativa na comunidade. A Comissão dos Direitos da Criança manifestou a sua preocupação com o elevado número de crianças com deficiência colocadas em instituições e instou os Estados Partes por meio de programas de desinstitucionalização a apoiar a sua capacidade de viver na sua família, na sua família alargada ou família de acolhimento[3].
- A igualdade e a não discriminação são princípios fundamentais do direito internacional de direitos humanos e são consagrados por todos os instrumentos fundamentais de direitos humanos. No seu comentário geral nº 5, sobre as pessoas com deficiência, o Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais destaca que “a segregação e o isolamento impostos (…) socialmente” constituem uma discriminação. Também enfatiza, em relação ao artigo 11.º do Pacto Internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais, que o direito a um padrão de vida adequado não só inclui o acesso a uma alimentação adequada e habitação acessível em condições de igualdade assim como a satisfação de outras necessidades materiais básicas de materiais, mas também a disponibilização de serviços de apoio e dispositivos e tecnologias de assistência que respeitem plenamente os direitos humanos das pessoas com deficiência.
- Além disso, o Artigo 19.º e o conteúdo deste Comentário Geral devem orientar e apoiar a implementação da Nova Agenda para as Cidades, adotada na Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), que faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A Nova Agenda para as Cidades defende uma visão comum que é a de permitir que todos desfrutem dos mesmos direitos e oportunidades, desenvolvendo cidades e assentamentos humanos inclusivos, equitativos, seguros, acessíveis, com custos razoáveis, resilientes e duráveis. Tratando-se do artigo 19.º da Convenção, os objetivos 10.2 (“Empoderar e promover a inclusão social, económica e política de todos”) e 11.1 (“garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos”) dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são de particular importância.
- A Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência registou avanços na última década, na implementação do artigo 19.º., mas o grau de implementação resultante não respeita plenamente o espírito deste artigo.
(a) Negação de capacidade legal seja de jure através de leis e práticas oficiais ou, de facto, através de decisões substitutivas relativas ao meio ambiente e modo de vida;
(b) Inadequação do apoio social e dos serviços de proteção social em termos de garantir uma vida independente e a inclusão na sociedade;
(c) Insuficiência de quadros jurídicos e de alocações orçamentais para assegurar a assistência pessoal e apoio individualizado;
(d) Institucionalização, na sua aceção material e regulamentar, incluindo e crianças, e tratamento forçado em todas as suas formas;
(e) Ausência de estratégias e planos de desinstitucionalização e de investimentos contínuos em cuidados de apoio;
(f) Atitudes negativas, estigmas e estereótipos impedindo as pessoas com deficiência de serem parte integrante da sociedade e de receberem a assistência disponível;
(g) Conceções erróneas sobre o direito de viver de forma independente e a inclusão na sociedade;
(h) Falta de serviços e instalações disponíveis, aceitáveis, acessíveis e a preços razoáveis, tais como transportes, cuidados de saúde, escolas, espaços públicos, habitação, teatros, cinemas, bens e serviços e de outros edifícios que recebem público;
(i) Falta de mecanismos de monitorização para garantir a implementação adequada do artigo 19.º, incluindo a participação de organizações representativas de pessoas com deficiência;
(j) insuficiente incorporação da deficiência nas dotações orçamentais gerais; e
(k) Descentralização inadequada, resultando em disparidades entre as autoridades locais e que comprometem a igualdade de oportunidades para viver de forma independente dentro da sociedade num Estado Parte.
- Conteúdo normativo do artigo 19.º
- Definições
- No presente comentário geral aplicam-se as seguintes definições:
(a) Vida Independente: autonomia de vida / viver de forma independente significa que as pessoas com deficiência dispõem de todos os meios necessários para poderem escolher e controlar a sua vida e a tomar todas as decisões relativas à sua existência. A autonomia pessoal e a autodeterminação são fundamentais para a vida independente, incluindo o acesso aos transportes, informações, comunicação e assistência pessoal, local de residência, rotina diária, hábitos, emprego decente, relações pessoais, vestuário, nutrição, higiene e cuidados de saúde, religião, direitos culturais e sexuais e reprodutivos. De tudo isto depende o desenvolvimento da identidade e personalidade de uma pessoa, isto é: onde vivemos, com quem vivemos, o que comemos, se gostamos de levantar cedo ou deitar tarde, estar dentro ou ao ar livre, ter uma toalha e velas sobre a mesa, ter animais de companhia ou ouvir música. Estas ações e decisões determinam quem somos. A vida independente é uma parte essencial da autonomia e da liberdade do indivíduo, e não significa necessariamente que se viva sozinho. Também não deve ser interpretado apenas como a capacidade de realizar atividades diárias por si mesmo. Em vez disso, deve ser considerada como a liberdade de escolha e controle, no respeito pela dignidade inerente e autonomia individual, conforme consagrado no artigo 3.º (a) da Convenção. A independência como enquanto expressão de autonomia pessoal significa que a pessoa com deficiência não é privada da oportunidade de escolher e controlar o seu estilo de vida pessoal e as atividades quotidianas.
(b) Ser incluído na comunidade: o direito de ser incluído na comunidade relaciona-se com o princípio da inclusão e participação plena e efetiva na sociedade consagrada, entre outros, no artigo 3.º (c) da Convenção. Inclui viver uma vida social plena e ter acesso a todos os serviços disponíveis para o público assim como serviços de acompanhamento devem permitir às pessoas com deficiência fazer parte integrante da comunidade e participar ativamente em todas as esferas da vida em sociedade. Estes serviços de acompanhamento podem referir-se, entre outros, à habitação, transporte, compras, educação, emprego, atividades recreativas e todas as outras dispositivos e serviços oferecidos ao público, incluindo a comunicação sociais. O direito à inclusão também inclui, ter acesso a todas as medidas e eventos de vida política e cultural na comunidade, tal como reuniões públicas, eventos desportivos, festivais culturais e religiosos e qualquer outra atividade na qual a pessoa com deficiência deseje participar.
(c) Quadro propício à Vida independentes: Tanto a vida independente como a inclusão na comunidade pressupõem um quadro de vida que exclua todas as formas de institucionalização. Não se trata de viver num determinado edifício ou em um lugar específico, é, antes de tudo, não perder a autonomia e a liberdade de escolha em resultado da imposição de uma determinada forma de viver. Nem as instituições de grande escala com mais de uma centena de residentes, nem lares mais pequenos que acolham cinco ou oito indivíduos, nem mesmo casas individuais, podem ser consideradas como quadros propícios à vida autónoma se apresentarem características determinantes de instituições ou de institucionalização. Embora, os contextos das instituições possam diferir em tamanho, nome e configuração, existem certas características comuns, tais como: a obrigação de compartilhar os serviços de assistentes entre várias pessoas e a pouca ou nenhuma influência sobre a escolha da pessoa que presta a assistência; as instituições contribuem para o isolamento e segregação das pessoas com deficiência, em detrimento de sua autonomia de vida e da sua inclusão na sociedade; privam as pessoas com deficiência da oportunidade de decidir por si mesmas a sua vida quotidiana; impedem que escolham as pessoas com quem vivem; impõem uma rotina rígida, que não leva em conta a vontade ou as preferências de cada um; envolvem um grupo de pessoas sob uma certa autoridade em atividades idênticas no mesmo lugar; têm uma abordagem paternalista da prestação de serviços; enquadram as condições de vida; e, geralmente, são caracterizadas por um terem um número desproporcional de pessoas com deficiência a viver no mesmo meio ambiente. As instituições podem oferecer às pessoas com deficiência alguma liberdade de escolha e algum controle, mas apenas em certas áreas da vida, e não perdem o seu carácter segregador. As políticas de desinstitucionalização exigem, portanto, a implementação de reformas estruturais que vão além do encerramento de instituições. As residências, destinadas a acomodar um grande número de pessoas ou pequenos grupos, são particularmente prejudiciais para as crianças, que precisam de crescer em família. Mesmo que tenham a aparência de ambiente familiar, as instituições permanecem instituições e não podem substituir uma família;
(d) Assistência pessoal: A assistência pessoal refere-se aos serviços de acompanhamento disponíveis para as pessoas com deficiência e fornecidos por pessoas sob o controlo da pessoa/utilizador. A assistência pessoa é uma ferramenta para a vida independente. Embora os modos de assistência pessoal possam variar, existem certos elementos, que o distinguem de outros tipos de apoio:
(i) O financiamento para a assistência pessoal deve ser fornecido com base em critérios personalizados e levar em consideração os padrões de direitos humanos para o emprego decente. O financiamento deve ser controlado e alocado à pessoa com deficiência com o objetivo de pagar qualquer assistência necessária. Baseia-se numa avaliação das necessidades individuais e das condições de vida. Os serviços individualizados não devem resultar na redução ou aumento do orçamento pessoal;
- ii) O serviço é controlado pela pessoa com deficiência, o que significa que ele ou ela pode contratar o serviço a uma variedade de prestadores ou agir como empregador. As pessoas com deficiência têm a opção de delinear o seu próprio serviço, ou seja, projetar o serviço e decidir por quem, como, quando, onde e de que forma o serviço é prestado e dar instruções aos prestadores de serviços;
(iii) A assistência pessoal é uma relação de um para um. Os assistentes pessoais devem ser recrutados, treinados e supervisionados pela pessoa que recebe a assistência pessoal. Os assistentes pessoais não devem ser “partilhados” sem o consentimento total e livre da pessoa que recebe a assistência pessoal. A partilha de assistentes pessoais limitará e impedirá a participação autodeterminada e espontânea na comunidade; e
(iv) Autogestão da prestação de serviços. As pessoas com deficiência que necessitam de assistência pessoal podem escolher livremente o seu grau de controlo pessoal sobre a prestação de serviços de acordo com suas circunstâncias e preferências de vida. Mesmo que as responsabilidades do “empregador” sejam contratadas, a pessoa com deficiência permanece sempre no centro das decisões relativas à assistência, e deve-lhe ser perguntado e respeitadas as preferências individuais. O controlo da assistência pessoal pode ser efetuado através de decisão apoiada.
- Os prestadores de serviço de apoio descrevem frequente e erroneamente o seu serviço de apoio usando os termos “independente” ou “vida comunitária”, bem como “assistência pessoal”, embora na prática tais serviços não atendam aos requisitos do artigo 19.º. As “soluções de pacotes ” oferecidas, entre outros, relacionam a disponibilidade de um serviço específico com outro, esperam que mais pessoas vivam juntas ou que os serviços só possam ser fornecidos para condições de vida especiais. O conceito de assistência pessoal em que a pessoa com deficiência não possui autodeterminação total e autocontrole não deve ser considerado em conformidade com o artigo 19.º. Pessoas com necessidades de comunicação complexas, incluindo aqueles que usam meios de comunicação informais (ou seja, comunicação por meios não-representativos, incluindo expressão facial, posição do corpo e vocalização) devem ter os apoios adequados que lhes permitam desenvolver e transmitir as suas opções, decisões, escolhas e / ou preferências e ter estes direitos reconhecidos e respeitados.
- Artigo 19, abrangência
- O artigo 19.º reafirma o princípio da não discriminação das pessoas com deficiência e o reconhecimento do seu direito a viver de forma independente na comunidade. Para que o direito de viver de forma independente, com escolhas iguais às dos outros e a ser incluído na comunidade, possa ser realizado, os Estados partes devem tomar medidas efetivas e apropriadas para garantir o pleno exercício deste direito assim como a plena inclusão e participação das pessoas com deficiência na comunidade.
- O artigo 19.º abrange dois conceitos, que apenas o seu título deixa claro, nomeadamente o direito à autonomia de vida e o direito à inclusão social. Enquanto o primeiro se refere à esfera individual e se apresenta como o direito de emancipação sem ser deixado de lado ou privado de perspetiva, o segundo tem uma dimensão social, como direito afirmativo de criar ambientes abertos a todos. O direito consagrado no artigo 19.º abrange ambos os aspetos.
- O artigo 19.º refere-se explicitamente a todas as pessoas com deficiência. Nem a privação total ou parcial da sua capacidade jurídica, qualquer que seja o grau, nem o nível de apoio exigido podem ser invocados para negar ou limitar às pessoas com deficiência o direito à independência e a uma vida independente na comunidade.
- Quando os serviços pessoais para as pessoas com deficiência são considerados muito onerosos ou se a pessoa com deficiência é considerada como “incapaz” de viver fora de do quadro institucional, os Estados Partes geralmente consideram as instituições como a única solução. As pessoas com deficiência intelectual, especialmente aquelas com exigências de comunicação complexas, entre outras, são muitas vezes avaliadas como incapazes de viver fora de quadros institucionais. Este raciocínio é contrário ao artigo 19.º, que amplia o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade para todas as pessoas com deficiência, independentemente das suas capacidades intelectuais, do grau de autonomia ou dos serviços de acompanhamento de que careçam.
- Todas as pessoas com deficiência devem ser livres para decidir levar uma vida ativa e pertencer à cultura da sua escolha e devem ter o mesmo grau de escolha e controle sobre a sua vida na mesma medica que outros membros da comunidade. A vida independente não é compatível com a promoção do estilo de vida individual “predefinido”. Os jovens com deficiência não devem ser obrigados a viver em ambientes destinados a pessoas idosas e vice-versa.
- As pessoas com deficiência são titulares de direitos e gozam de igual proteção nos termos do artigo 19.º independentemente do sexo. Devem ser tomadas todas as medidas apropriadas para garantir o pleno desenvolvimento, avanço e capacitação das mulheres. As pessoas com deficiência LGBTI devem gozar de proteção igual nos termos do Artigo 19.º e, portanto, as suas relações pessoais devem ser respeitadas. Além disso, o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade engloba a proteção das pessoas com deficiência pertencentes a qualquer faixa etária, grupos étnicos, castas, minorias linguísticas e / ou religiosas, bem como migrantes, requerentes de asilo e refugiados.
- Artigo 19.º (a)
- Escolher e decidir sobre como, onde e com quem viver é a ideia central da vida independente e da inclusão na comunidade. A capacidade de opção não se limita ao local de residência, mas inclui todos os aspetos da vida de uma pessoa: horário diário e rotina, o modo e estilo no domínio privado ou público, no quotidiano ou a longo prazo.
- Muitas vezes, as pessoas com deficiência não podem exercer a sua escolha por falta de opções. Por exemplo, quando o apoio informal da família é a única opção, quando não há apoio disponível fora das instituições, se a habitação é inacessível ou o apoio não é fornecido na comunidade e se existem apenas formas específicas de residência ou estabelecimentos especializados para poder beneficiar do apoio.
- Além disso, as pessoas com deficiência podem não ter permissão para exercer a sua escolha individual devido à falta de informações acessíveis sobre a variedade de opções disponíveis e / ou devido a restrições legais decorrentes de leis de tutela e normas ou decisões legais similares que não permitem às pessoas com deficiência exercer a sua capacidade legal. Mesmo se a legislação não restringe expressamente os direitos das pessoas com deficiência, outros atores como as famílias, os cuidadores ou as autoridades locais, controlam e restringem as escolhas do indivíduo tomando decisões em seu nome.
- A personalidade jurídica e a capacidade jurídica das pessoas com deficiência são a base da realização de uma vida independente na comunidade. Há, portanto, uma ligação entre as disposições do artigo 19.º e as do artigo 12.º da Convenção, que garantem o reconhecimento da personalidade jurídica e o exercício da capacidade jurídica, conceitos explicados com mais detalhe na observação. Nº 1 do Comitê (2014) sobre o reconhecimento pessoa jurídica. Além disso, as disposições do artigo 19.º fazem eco da proibição absoluta de detenção por motivo de deficiência, prevista no artigo 14.º e especificada nas diretivas relevantes[4]
[4] Diretivas sobre o direito à liberdade e à segurança das pessoas com deficiência /A/72/55, anexo)
Artigo 19.º (b)
- O acesso a serviços de apoio personalizados deve ser visto como um direito e não como uma forma de assistência médica, social ou de caridade. Para muitas pessoas com deficiência, o acesso a uma gama de serviços de apoio personalizados é um pré-requisito para uma vida independente na sociedade. As pessoas com deficiência têm o direito de escolher os serviços que desejam e os prestadores de serviços com base nas suas próprias necessidades e preferências pessoais, e os serviços de apoio personalizados devem ser suficientemente flexíveis para se adaptarem às necessidades dos utilizadores, e não o contrário. Portanto, os Estados Partes são obrigados a garantir a existência de especialistas qualificados em número suficiente capazes de propor soluções práticas para eliminar os obstáculos à autonomia de vida das pessoas na sociedade, no respeito pelas suas necessidades e preferências.
- A alínea (b) enumera vários tipos de serviços individualizados que se enquadram na categoria de serviços de apoio. Não se trata somente de serviços ao domicílio, mas também serviços na esfera do emprego, educação ou participação política e cultural, serviços de apoio à paternidade e a capacidade de receber familiares e outras pessoas favorecendo a participação na vida política e cultural, serviços no domínio das atividades de lazer e viagens, bem como recreação.
- Embora o nome, tipo ou natureza dos serviços de apoio personalizados possam variar de acordo com as características culturais, económicas e geográficas dos Estados Partes, todos os serviços de apoio devem ser concebidos para permitir às pessoas com deficiência viver em sociedade e impedi-los o isolamento ou a segregação, e devem ser adaptados para este propósito na prática. É importante que esses serviços sejam projetados para permitir que as pessoas com deficiência sejam totalmente incluídas na sociedade. Portanto, o artigo 19.º (b) proíbe todas as formas de serviços de apoio em instituições segregadas que limitam a autonomia pessoal.
- Também é relevante ter em mente que todos os serviços de apoio devem ser concebidos e executados de maneira a favorecer o propósito geral da norma: a inclusão e participação plenas, personalizadas, e livremente escolhidas das pessoas com deficiência e a sua autonomia de vida.
- Artigo 19.º (c)
- Os serviços e equipamentos mencionados nesta parte do artigo são serviços de apoio não especificamente desenhados para pessoas com deficiência mas sim serviços para o conjunto da população. Cobrem uma ampla gama de serviços, como habitação, bibliotecas públicas, hospitais, escolas, transportes, lojas, mercados, museus, Internet ou redes sociais. Devem estar disponíveis, universalmente acessíveis, aceitáveis e adaptáveis a todas as pessoas com deficiência na sociedade.
- A acessibilidade das instalações, bens e serviços comunitários, bem como o exercício do direito ao emprego, à educação e a cuidados de saúde inclusivos são condições essenciais para a inclusão e participação de pessoas com deficiência na comunidade. Vários programas de desinstitucionalização mostraram que o encerramento de instituições, independentemente do seu tamanho, e a colocação dos utentes na comunidade, em si não é suficiente. Tais reformas devem ser acompanhadas por programas abrangentes de desenvolvimento de serviços comunitários, incluindo programas de sensibilização. As reformas estruturais destinadas a melhorar a acessibilidade geral dentro da comunidade podem reduzir a necessidade de serviços específicos para a deficiência.
- Em termos de alcance material, o artigo 19.º abrange o acesso a habitações seguras e adequadas, a serviços personalizados e aos equipamentos e serviços coletivos. O acesso à habitação significa ter a opção de viver na comunidade, tal como qualquer outra pessoa. O artigo 19.º não é implementado adequadamente se as pessoas com deficiência apenas tiverem acesso a habitação em zonas previstas para esse efeito ou tenham de viver no mesmo edifício, complexo ou vizinhança. É imperativo dispor de habitações acessíveis em número suficiente em todas as zonas geográficas onde as pessoas com deficiência possam viver sozinhas ou em família, dando o direito e a possibilidade de as pessoas com deficiência escolherem o local onde querem viver. Para isso, são necessárias novas construções residenciais acessíveis e a adaptação dos edifícios residenciais existentes. Além disso, a habitação deve ter preços acessíveis para as pessoas com deficiência.
- Os serviços de apoio devem estar disponíveis dentro de um alcance físico e geográfico acessível e seguro para todas as pessoas com deficiência, quer vivam em áreas urbanas ou rurais. Têm de ter em conta que as pessoas com deficiência têm baixos rendimentos. Também devem ser aceitáveis, o que significa que devem respeitar as normas de qualidade e ter em conta o sexo, a idade e cultura dos interessados.
- Os serviços de apoio individualizados, que não permitem a livre escolha e controle por parte das pessoas com deficiência, não garantem a vida independente. Os serviços de apoio residencial e de suporte combinado (entregues como um “pacote” combinado) são frequentemente oferecidos às pessoas com deficiência na premissa da eficiência de custos. No entanto, embora esta premissa em si possa ser refutada economicamente, os aspetos da eficiência de custos não devem prevalecer sobre o princípio do direito humano em jogo. A assistência pessoal e os assistentes pessoais não devem ser “partilhados” entre pessoas com deficiência, a não ser que tenha o livre e pleno consentimento da pessoa com deficiência que requereu assistência pessoal. A possibilidade de escolha é um dos três elementos-chave do direito de viver de forma independente na comunidade.
- O direito de desfrutar de serviços de apoio em pé de igualdade está vinculado ao dever de assegurar a participação e a intervenção das pessoas com deficiência nos processos relacionados com equipamentos e serviços sociais, a fim de assegurar que respondam a necessidades específicas, tenham em conta o sexo e a idade, e possam ser utilizados pelas pessoas com deficiência que assim podem participar espontaneamente na sociedade. No caso das crianças, a essência do direito de viver de forma independente e de ser incluído na comunidade implica o direito de crescer em família.
- Elementos principais
- A Comissão considera importante identificar os elementos essenciais do artigo 19.º, a fim de assegurar que cada Estado Parte proporcione às pessoas com deficiência um nível mínimo de apoio padronizado e suficiente para exercer o direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade. Os Estados Partes devem assegurar que os elementos essenciais do artigo 19.º sejam sempre respeitados, particularmente em tempos de crise financeira ou económica. Esses elementos principais são:
(a) Garantir o direito à capacidade jurídica, de acordo com o comentário geral Nº 1 (2014) do Comissão sobre o reconhecimento igual perante a lei, para que as pessoas com deficiência, independentemente do tipo de deficiência possam decidir onde, com quem e como viver;
(b) Garantir a não discriminação no acesso a habitação, incluindo a renda e a acessibilidade adotando regulamentos obrigatórios de construção de edifícios que garantam habitação nova e reabilitada acessível;
(c) Desenvolver um plano de ação concreto para a vida independente das pessoas com deficiência dentro da comunidade, incluindo tomar medidas para facilitar dispositivos de apoio formal para a vida independente na sociedade, de modo que o apoio informal, por exemplo das famílias, não seja a única opção;
(d) Desenvolver, implementar e monitorizar a legislação, planos e diretrizes sobre os requisitos de acessibilidade aos e dos serviços gerais básicos e sancionar a sua não-conformidade, a fim de alcançar a igualdade na sociedade, incluindo a participação de pessoas com deficiência nas redes sociais. Garantir competências adequadas em tecnologias de informação e comunicação de forma a assegurar que essas tecnologias sejam desenvolvidas, entre outros aspetos, com base no desenho universal;
(e) Desenvolver um plano de ação concreto e tomar medidas para desenvolver e implementar serviços fundamentais de apoio personalizado, não partilhados e alicerçados sobre os direitos humanos das pessoas com deficiência, bem como outros tipos de serviços;
(f) Garantir que não haja retrocesso na prossecução do Artigo 19.º, a menos que tenham sido devidamente justificados e em conformidade com o direito internacional;
(g) Recolher dados quantitativos e qualitativos consistentes sobre as pessoas com deficiência, inclusive aquelas que ainda vivem em instituições;
(h) Utilizar todo o financiamento disponível, incluindo financiamentos regionais e fundos de cooperação para o desenvolvimento, a fim de organizar serviços de vida independente inclusivos e acessíveis.
III. Obrigações dos Estados Parte
- As obrigações dos Estados Partes devem refletir a natureza dos direitos humanos como direitos absolutos e imediatos (direitos civis e políticos) ou progressivamente aplicáveis (direitos económicos, sociais e culturais). O artigo 19.º (a) – o direito de escolher a residência, onde, como e com quem viver – é imediatamente aplicável, pois é um direito civil e político. O artigo 19.º (b) – o direito de acesso a serviços de apoio personalizados e controlados – é um direito económico, social e cultural. O artigo 19.º (c) – o direito a dispôr de serviços – é um direito económico, social e cultural, através do qual muitos dos serviços comuns, como TIC acessíveis, páginas Web, órgãos de comunicação social, cinemas, parques públicos, teatros e instalações desportivas são tanto direitos sociais como culturais. A realização progressiva implica a obrigação imediata de conceber e decidir sobre estratégias concretas, planos de ação e alocar recursos para desenvolver serviços de apoio, além de oferecer serviços gerais existentes ou novos inclusivos para pessoas com deficiência.
- A obrigação de respeitar não é só uma obrigação negativa. O aspeto positivo requer que os Estados Parte tomem todas as medidas necessárias para assegurar que nenhum direito consagrado no artigo 19.º. seja violado pelo Estado Parte ou por entidades privadas.
- A fim de alcançar a realização progressiva dos direitos económicos, sociais e culturais, os Estados partes devem tomar medidas alocando o máximo dos recursos disponíveis[5]. Essas etapas devem ser tomadas imediatamente ou num período de tempo razoavelmente curto. Tais medidas devem ser deliberativas, concretas, direcionadas e devem ser usado todos os meios apropriados[6]. A realização sistemática do direito à vida independente na comunidade requer mudanças estruturais. Em particular, aplica-se à desinstitucionalização em todas as suas formas.
- Os Estados-partes têm a obrigação imediata de dar início a um plano estratégico com prazos adequados e providenciar recursos para substituir quaisquer ambientes institucionalizados por serviços de apoio à vida independente, em estreita e respeitadora consulta com as organizações representativas das pessoas com deficiência. A margem de apreciação dos Estados Partes está relacionada com a implementação programática, mas não com novas formas de institucionalização. Os Estados partes devem desenvolver planos de transição em consulta direta com pessoas com deficiência, através das suas organizações representativas, a fim de assegurar a plena inclusão de pessoas com deficiência na comunidade.
- Quando um Estado Parte procurar introduzir medidas regressivas em relação ao Artigo 19.º, por exemplo, em resposta à crise económica ou financeira, o Estado é obrigado a demonstrar que tais medidas são temporárias, necessárias e não discriminatórias, e que respeitam as suas obrigações fundamentais.[7]
- O dever de realização progressiva implica também uma presunção contra medidas regressivas no gozo de direitos económicos, sociais e culturais. Tais medidas privam as pessoas com deficiência de exercer o seu pleno direito de viver independentemente e serem incluídas na comunidade. Como consequência, as medidas regressivas constituem uma violação do artigo 19.º.
- Os Estados Partes estão proibidos de tomar medidas regressivas com respeito às obrigações fundamentais mínimas relevantes para o direito à vida independente na comunidade, elencadas neste comentário geral.
- Os Estados Partes têm a obrigação imediata de eliminar a discriminação contra indivíduos ou grupos de pessoas com deficiência e garantir o seu igual direito a viver de maneira independente e a participar da comunidade. Para tal os Estados Partes devem revogar ou reformular as políticas, leis e práticas que impeçam as pessoas com deficiência a, por exemplo, escolher o seu local de residência, o acesso a habitação acessível e a preços acessíveis, aluguer de alojamento e o acesso a equipamentos e serviços gerais convencionais, como a sua independência exigiria. O dever de proporcionar acomodações razoáveis (art.º 5 (3)) também não está sujeito à realização progressiva.
- Obrigação de respeitar
- A obrigação de respeitar exige que os Estados Partes se abstenham de qualquer interferência direta ou indireta no exercício individual do direito de viver de maneira independente e de ser incluído na comunidade, e que não limitem de forma alguma o referido exercício. Os Estados Partes não devem limitar ou negar a vida independente através, por exemplo, de leis que restrinjam direta ou indiretamente as escolhas das pessoas com deficiência sobre o seu local de residência ou onde, como e com quem quer viver, assim como a sua autonomia. Da mesma forma, devem modificar as leis que impedem o exercício dos direitos consagrados no artigo 19.º da Convenção.
- Esta obrigação impõe também aos Estados Partes que se abstenham de promulgar leis, adotar políticas e criar estruturas que mantenham os obstáculos no acesso a serviços de apoio, assim como aos equipamentos e serviços disponíveis para a população em geral. Os Estados Partes também são obrigados a revogar leis ou políticas e a eliminar equipamentos que ter tal efeito.Implica também a obrigação de libertar todas as pessoas que estão confinadas contra sua vontade em serviços de saúde mental ou outras formas específicas de privação de liberdade. Inclui ainda a proibição de todas as formas de tutela e a obrigação de substituir os regimes de decisão substituídos por formas alternativas de tomada de decisão apoiadas.
- O respeito pelos direitos das pessoas com deficiência de acordo com o artigo 19.º exige que os Estados-Partes abandonem progressivamente a institucionalização. Nenhuma nova instituição pode ser construída pelos Estados Partes; As instituições existentes não podem ser renovadas, com exceção das medidas de emergência necessárias para preservar a segurança física dos residentes. As Instituições não devem ser aumentadas, não devem entrar novos residentes para o lugar daqueles que saem, e as residências aparentemente individuais (apartamentos ou casas individuais) mas que estão adstritas a instituições, não devem ser consentidas.
- Obrigação de proteger
- A obrigação de proteger exige que os Estados Partes tomem medidas para impedir que os membros da família ou terceiros interfiram direta ou indiretamente no direito das pessoas com deficiência à autonomia de vida e à inclusão social. O dever de proteger exige que os Estados Partes implementem leis e políticas que proíbam os membros da família ou terceiros, os prestadores de serviços, proprietários de terras ou prestadores de serviços gerais, que prejudiquem o pleno gozo do direito a ser incluído e a viver independentemente dentro da comunidade.
- Os Estados Partes devem assegurar que não sejam alocados fundos públicos ou privados para o funcionamento, renovação ou construção de instituições novas ou existentes ou outra qualquer forma de institucionalização. Além disso, os Estados-Partes devem garantir que não sejam criadas instituições privadas sob a aparência de “vida comunitária”.
- Os serviços de apoio devem ser baseados nos requisitos individuais e não no interesse do prestador de serviços. Os Estados partes devem estabelecer mecanismos de monitorização dos prestadores de serviços, adotar medidas que protejam as pessoas com deficiência de serem escondidas na família ou isoladas em instituições, proteger as crianças de serem abandonadas ou institucionalizadas em razão de deficiência e estabelecer mecanismos apropriados para detetar situações de violência contra pessoas com deficiência por terceiros. Os Estados partes também devem proibir que diretores e / ou administradores de instituições residenciais assumam a tutoria dos residentes.
- A obrigação de proteger também inclui a proibição de práticas discriminatórias, como a exclusão de indivíduos ou grupos do acesso a determinados serviços. Os Estados Partes devem proibir terceiros de introduzir obstáculos práticos ou administrativos à vida independente e inclusão de pessoas com deficiência na sociedade e devem impedi-los de fazê-lo, por exemplo, assegurando que os serviços prestados estejam alinhados com a vida independente, que não lhes seja negada a possibilidade de alugar habitação e que não estejam em desvantagem no mercado da habitação. Os serviços abertos ao público e destinados ao público em geral, como bibliotecas, piscinas, parques ou espaços públicos, lojas, correios e cinemas, devem ser acessíveis e adaptados às necessidades das pessoas com deficiência, tal como é indicado no Comentário Geral do Comitê de Acessibilidade No. 2 (2014).
- Obrigação de cumprir
- A obrigação de cumprir exige que os Estados Partes promovam, facilitem e adotem medidas legislativas, administrativas, orçamentais, judiciais, programáticas, promocionais e outras medidas adequadas para assegurar a plena realização do direito de viver de maneira independente e de ser incluído na comunidade, conforme consagrado na Convenção. Também exige que os Estados Partes tomem medidas para eliminar barreiras práticas à plena realização desse direito, tais como habitação inacessível, acesso limitado a serviços de apoio para pessoas com deficiência, instalações comunitárias, bens e serviços inacessíveis e preconceitos contra as pessoas com deficiência.
- Os Estados-Partes devem assegurar aos membros da família de pessoas com deficiência formas de apoio para que o seu familiar com deficiência possa exercer o seu direito de viver independentemente e de ser incluído na sociedade.
- Ao implementar a legislação, políticas e programas, os Estados Partes devem consultar e envolver ativamente as pessoas com diversos tipos de deficiência, através das suas organizações representativas em todos os aspetos relacionados com a vida independente, em particular, no que respeita à criação de serviços de apoio e ao investimento de recursos nesses serviços na comunidade.
- Os Estados Partes devem adotar uma estratégia e um plano de ação concreto para a desinstitucionalização. Este plano inclui a obrigação de implementar reformas estruturais, melhorar a acessibilidade para pessoas com deficiência dentro da comunidade e sensibilizar o conjunto da população sobre a inclusão das pessoas com deficiência na comunidade.
- A desinstitucionalização também requer uma transformação sistémica, que inclui o encerramento de instituições e a eliminação de normas de institucionalização como parte de uma estratégia abrangente, juntamente com o estabelecimento de uma gama de serviços de apoio personalizados, que incluem planos individualizados para a transição com orçamentos e prazos, bem como serviços de apoio inclusivos. Logo, é necessária uma abordagem interinstitucional coordenada, que garanta reformas, orçamento e mudança de atitude a todos os níveis e setores do governo, incluindo as autoridades locais.
- As despesas relacionadas com a deficiência devem ser cobertas por programas de apoio à vida independente no seio da comunidade. Além disso, para garantir o sucesso da desinstitucionalização, é essencial assegurar a disponibilização de um número suficiente de habitações acessíveis e a preços acessíveis, incluindo habitação familiar. Também é importante que o acesso à habitação não esteja condicionado a requisitos que reduzam a autonomia e independência das pessoas com deficiência. Os edifícios e espaços públicos, bem como todos os tipos de transporte, devem ser projetados para atender às necessidades de todas as pessoas com deficiência. Os Estados Partes devem tomar medidas voluntárias e imediatas de afetação de recursos financeiros para realizar o direito das pessoas com deficiência a viver de forma independente na sociedade.
- Os serviços de apoio a pessoas com deficiência devem estar disponíveis e acessíveis, a custos razoáveis, aceitáveis e adaptáveis a todas as pessoas com deficiência e devem ter em conta as diferentes condições de vida, como, o rendimento individual ou familiar e as circunstâncias individuais, como sexo, idade, nacionalidade ou origem étnica, identidade linguística, religiosa, sexual e / ou de género. O modelo da deficiência baseado nos direitos humanos não permite excluir pessoas com deficiência por qualquer motivo, incluindo o tipo e quantidade de serviços de apoio necessários. Os serviços de apoio, incluindo a assistência pessoal, não devem ser partilhados com outras pessoas, a menos que sejam baseados numa decisão por meio de consentimento livre e esclarecido.
- Os Estados Partes devem ter em conta os seguintes elementos nos critérios de elegibilidade para ao direito a assistência: a avaliação da deficiência deve ser baseada nos direitos humanos, concentrar-se nas necessidades da pessoa devido às barreiras existentes na sociedade e não na deficiência, ter em conta a vontade e as preferências da pessoa e assegurar a plena participação das pessoas com deficiência no processo de tomada de decisão.
- As transferências monetárias, como subsídios de invalidez, representam uma das formas pelas quais os Estados Partes prestam apoio a pessoas com deficiência, de acordo com os artigos 19.º e 28.º da Convenção. Estas transferências monetárias frequentemente reconhecem as despesas inter-relacionadas com a deficiência e a inclusão de pessoas com deficiência na comunidade. As transferências de apoio financeiro também apoiam em situações de pobreza e extrema pobreza que as pessoas com deficiência podem enfrentar. Os Estados Partes não devem aumentar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, reduzindo o apoio financeiro em tempos de crise económica ou financeira ou através de medidas de austeridade que sejam inconsistentes com os padrões de direitos humanos estabelecidos no parágrafo 38.º.
- O apoio a pessoas com deficiência deve ser avaliado, através de uma abordagem personalizada e adaptado às atividades específicas e às barreiras reais que as pessoas com deficiência enfrentam na inclusão na sociedade. A avaliação deve reconhecer que as pessoas com deficiência necessitam de acesso para participar em atividades que variam ao longo do tempo. Os Estados Partes devem assegurar que a personalização do apoio, incluindo transferências monetárias / orçamentos pessoais, têm em consideração e atendem os desafios que as pessoas com deficiência enfrentam quando vivem em áreas rurais e / ou urbanas.
- Os Estados Partes devem fornecer e divulgar informações precisas atualizadas e precisas, essenciais para a tomada de decisões informadas sobre opções de vida independente e serviços de apoio na comunidade em formatos acessíveis, incluindo braille, língua gestual, tátil, formatos de leitura fácil e modos alternativo e aumentativos de comunicação.
- Os Estados devem assegurar que o pessoal que trabalha ou que vai trabalhar em serviços relacionados com a deficiência, tais como pessoal dos serviços, decisores e funcionários que supervisionam serviços para pessoas com deficiência, recebam formação adequada sobre vida independente, na teoria e na prática. Também devem estabelecer critérios, de acordo com o artigo 19.º, para habilitar as entidades que solicitam autorização para prestar apoio às pessoas com deficiência que lhes permita viver na comunidade e avaliar o modo como estas entidades desempenham as suas funções. Os Estados Partes também devem assegurar que a cooperação internacional de acordo com o artigo 32.º e os investimentos e projetos dela decorrentes não contribuam para a perpetuação de barreiras à vida independente, antes as eliminem barreiras e apoiem a implementação do direito a viver independentemente e a ser incluído na comunidade. Após situações de desastre, é importante não reconstruir barreiras, elemento que faz parte integrante da aplicação do artigo 11.º da Convenção.
- Os Estados Partes devem assegurar às pessoas com deficiência o acesso à justiça, prestar assistência legal e assessoria jurídica adequada, disponibilizar recursos e apoio, inclusive por meio de adaptações razoáveis e processuais, quando estas afirmarem o seu direito à autonomia de vida dentro da comunidade.
- Os Estados Partes devem fornecer serviços de apoio adequados aos cuidadores familiares, para que possam, por sua vez, apoiar o seu filho ou parente a viver de forma independente na comunidade. Esse suporte inclui serviços de assistência temporária, serviços de assistência infantil e outros serviços parentais de apoio. O apoio financeiro também é fundamental para os cuidadores familiares, que muitas vezes vivem em situações de extrema pobreza, sem a possibilidade de aceder ao mercado de trabalho. Os Estados Partes também devem fornecer apoio social às famílias e promover o desenvolvimento de serviços de aconselhamento, círculos de apoio e outras opções de apoio adequadas.
- Os Estados-partes devem realizar regularmente pesquisas e outras formas de análise que forneçam dados sobre as barreiras físicas, de comunicação, ambientais, de infraestruturas e atitudinais experienciadas pelas pessoas com deficiência e os requisitos para implementar a vida independente.
- Relação com outras disposições da Convenção
- O direito de viver de forma independente e a ser incluído na comunidade está inter-relacionado com o gozo de outros direitos humanos previstos na Convenção. Ao mesmo tempo, é mais do que a soma desses direitos, uma vez que afirma que todos os direitos devem ser exercidos e desfrutados na comunidade em que uma pessoa escolhe viver e na única em que pode desenvolver livremente e plenamente a sua personalidade.
- É fundamental consultar e o envolver ativamente as pessoas com deficiência, através das suas organizações representativas (art. 4.º (3)) para a adoção de todos os planos e estratégias, bem como para o acompanhamento e monitorização da implementação da vida independente. Os decisores, a todos os níveis, devem envolver ativamente e consultar todas as pessoas com deficiência, incluindo as organizações de mulheres com deficiência, de pessoas idosas com deficiência, de crianças com deficiência, pessoas com deficiência psicossocial e pessoas com deficiência intelectual.
- A não discriminação (art. 5.º), em termos de vida independente e inclusão na comunidade, é importante no que diz respeito ao acesso e utilização de serviços de apoio. Os Estados Partes devem definir critérios de elegibilidade e procedimentos de acesso aos serviços de apoio de forma não discriminatória, objetivamente focados nos requisitos da pessoa, e não na deficiência, seguindo uma abordagem que respeite os direitos humanos. A criação de serviços específicos para pessoas com deficiência nas circunstâncias particulares de tais pessoas e de acordo com as suas necessidades, tais como serviços para crianças, estudantes, funcionários e pessoas idosas com deficiência, não deve ser considerado como uma violação discriminatória da Convenção, mas sim como uma ação afirmativa justa e legalmente disponível. As pessoas com deficiência que enfrentam discriminação em relação ao artigo 19.º devem ter à sua disposição recursos legais efetivos e acessíveis.
- Muitas vezes, mulheres e meninas com deficiência (artigo 6) sofrem maior exclusão e isolamento e enfrentam mais restrições quanto ao local de residência e ao seu modo de vida devido aos estereótipos paternalistas e aos modelos sociais patriarcais que discriminam as mulheres na sociedade. As mulheres e meninas com deficiência também estão sujeitas a discriminação múltipla, intersectorial e de género, e correm maior risco de serem institucionalizadas e sofrerem violência, incluindo violência sexual, abuso e assédio. Os Estados partes devem providenciar recursos legais e serviços de apoio que sejam economicamente acessíveis ou gratuitos para as vítimas de violência e abuso. As mulheres com deficiência vítimas de violência doméstica tendem a ser mais dependentes económica, física ou emocionalmente dos seus agressores, que muitas vezes agem como cuidadores, uma situação que impede as mulheres com deficiência de abandonar relacionamentos abusivos e leva a um maior isolamento social. Portanto, ao implementar o direito de viver independentemente e ser incluído na comunidade, deve-se dar atenção especial à igualdade de género, à eliminação da discriminação baseada no género e aos padrões sociais patriarcais.
- As normas e valores culturais podem restringir negativamente as opções e o controle de mulheres e raparigas com deficiência sobre o seu sistema de vida, limitar a sua autonomia, obrigá-los a viver de determinada maneira, exigir que se abstraiam das suas próprias necessidades e ao invés disso sirvam aos outros e desempenhem determinados papéis dentro da família[8]. Os Estados Partes devem tomar medidas para combater a discriminação e as barreiras contra as mulheres no acesso aos serviços e apoio social, bem como assegurar que as políticas, programas e estratégias relativos ao acesso a serviços sociais e apoio tenham em devida conta a igualdade entre mulheres e homens.
- Os Estados partes também devem garantir que as medidas destinadas ao desenvolvimento, capacitação e promoção de mulheres e raparigas com deficiência (artigo 6.º (2)) abordem as desigualdades baseadas no género no acesso ao apoio e à proteção social. Os Estados Partes devem adotar medidas adequadas de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional (em termos de recursos, tempo, serviços) que apoiem as mulheres com deficiências na (re) entrada no mercado de trabalho aberto e assegurem direitos e responsabilidades iguais entre mulheres e homens para o exercício das responsabilidades parentais[9]. É também responsabilidade dos Estados-partes garantir que os abrigos para vítimas de violência baseada em género sejam totalmente acessíveis a mulheres e raparigas com deficiências.
- A existência de serviços de apoio destinados a meninas e meninos com deficiência, apropriados e adaptados à idade, é de vital importância para o igual gozo dos seus direitos humanos (art. 7.º). Respeitar as capacidades em evolução das crianças com deficiência e apoiá-las para terem voz nas escolhas que as afetam é fundamental. Também é importante disponibilizar apoio, informação e orientação às famílias (art. 23.º) para prevenir a institucionalização de crianças com deficiência e ter políticas inclusivas sobre adoção para garantir a igualdade de oportunidades para crianças com deficiência.
- Quando se trata de interações sociais e relacionamentos com colegas, os adolescentes podem preferir a assistência pessoal ou intérpretes profissionais de língua gestual ao apoio informal fornecido por parentes. Os Estados Partes devem estabelecer formas inovadoras de apoio e serviços acessíveis para crianças e adolescentes com deficiência, pessoalmente ou por meio de suas organizações. As crianças com deficiência podem precisar de apoio para praticar desportos ou atividades na comunidade de acordo com a idade. Os adolescentes com deficiência devem ter tempo para participar em atividades de lazer com os seus pares da mesma idade. Os Estados Partes devem fornecer dispositivos e tecnologias de apoio que possam facilitar a inclusão de adolescentes com deficiência nas suas redes de amigos. Além disso, os serviços que facilitam a transição dos jovens para a vida adulta, incluindo apoio para sair da casa da família logo que comecem a trabalhar e quando ingressem no ensino superior, são cruciais no apoio à vida independente.
- A consciencialização (art. 8.º) é essencial para criar comunidades abertas, solidárias e inclusivas, já que o artigo 19.º, em última instância, trata da transformação das comunidades. Os estereótipos, discriminações e equívocos que impedem as pessoas com deficiência de viver de forma independente devem ser erradicados e deve ser transmitida uma imagem positiva e dar a conhecer os contributos da inclusão para a sociedade. A consciencialização deve abranger as autoridades, funcionários públicos, profissionais, a comunicação social, o público em geral, as pessoas com deficiência e as suas famílias. Todas as atividades de consciencialização devem ser realizadas em estreita cooperação com as pessoas com deficiência através das suas organizações representativas.
- Os direitos previstos no artigo 19.º estão vinculados às obrigações dos Estados Partes em relação à acessibilidade (art. 9.º) porque a acessibilidade geral de todos os ambientes construídos, transportes, informações, comunicações e instalações e serviços abertos ao público numa respetiva comunidade é uma pré-condição para viver de forma independente na comunidade. O Artigo 9.º requer a identificação e eliminação de barreiras em edifícios abertos ao público, assim como a revisão de códigos de construção e de planeamento urbano, a inclusão de padrões de desenho universal nos diferentes setores e o estabelecimento de normas de acessibilidade no setor da habitação.
- Os Estados Partes devem ter em conta por antecipação a obrigação de prestar serviços de apoio às pessoas com deficiência em todas as atividades de gestão dos riscos em caso de catástrofe (art. 11.º) e garantir que as pessoas com deficiência não sejam deixadas para trás ou esquecidas. Também é importante que as barreiras não sejam reconstruídas após situações de conflito armado, emergências humanitárias ou a ocorrência de desastres naturais. Os processos de reconstrução devem garantir total acessibilidade para a vida independente das pessoas com deficiência no seio da comunidade.
- O igual reconhecimento perante a lei (art. 12.º) garante que todas as pessoas com deficiência têm o direito de exercer a sua plena capacidade legal e, portanto, têm o mesmo direito de escolher e controlar as suas próprias vidas escolhendo onde, com quem e como querem viver e receber apoio de acordo com a sua vontade e preferências. Para realizar plenamente a transição para a tomada de decisão apoiada e implementar os direitos consagrados no artigo 12.º, é imperativo que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de desenvolver e expressar a sua vontade e preferências, a fim de exercer a sua capacidade legal em igualdade com os outros. Para tal, precisam de fazer parte da sociedade. Além disso, o apoio no exercício da capacidade jurídica deve ser fornecido usando uma abordagem baseada na comunidade, que respeite a vontade e as preferências das pessoas com deficiência.
- O acesso à justiça, tal como consagrado no artigo 13.º, é fundamental para assegurar o pleno gozo do direito à vida independente. Os Estados Partes devem assegurar que todas as pessoas com deficiência tenham capacidade jurídica e de ação nos tribunais. Os Estados-Partes devem, além disso, assegurar que todas as decisões relativas a viver de forma independente na comunidade sejam passíveis de recurso. O apoio para permitir a vida independente na comunidade deve ser aplicável como um direito e uma prerrogativa. Para garantir o acesso igual e efetivo à justiça, são essenciais os direitos substantivos ao acompanhamento jurídico, apoio e ajustes processuais de acordo com a idade.
- A institucionalização involuntária com base na deficiência ou em circunstâncias associadas, tais como presumível “perigosidade” e outros fatores, conforme elaborado nas diretrizes da Comissão sobre o artigo 14.º, é frequentemente causada ou facilitada pela falta de serviços específicos de apoio à deficiência. A implementação do artigo 19.º, portanto, acabará por impedir a violação do artigo 14.º.
- É de suma importância assegurar que os serviços de apoio não deixem margem para potenciais abusos, exploração ou qualquer violência contra as pessoas com deficiência (art. 16.º). Devem ser disponibilizados mecanismos de monitorização, recursos legais e meios de reparação que tenham em conta a deficiência, o género e a idade, para todas as pessoas com deficiência que usam os serviços mencionados no artigo 19.º e que podem sujeitos a abuso, violência e exploração. Como as instituições tendem a isolar as pessoas que nelas residem do resto da comunidade, as mulheres e meninas com deficiências institucionalizadas são mais suscetíveis à violência baseada no género, incluindo esterilização forçada, abuso físico e sexual, abuso emocional e maior isolamento. Também enfrentam maiores obstáculos para denunciar essa violência. É imperativo que os Estados incluam essas questões na monitorização das instituições e garantam o acesso à reparação para as mulheres com deficiência que estão expostas à violência baseada em género nessas instituições.
- Sem apoio para assegurar a mobilidade pessoal (art. 20.º), os obstáculos à vida independente e à inclusão na sociedade persistem para as pessoas com deficiência. A disponibilização de ajudas à mobilidade, aparelhos e acessórios, tecnologias de assistência formas de apoio tanto humanas como animais e dispositivos técnicos e mediadores de qualidade a custos acessíveis, como consagrado no artigo 20.º, é uma pré-condição para a plena inclusão e participação de pessoas com deficiência nas respetivas sociedades.
- As pessoas com deficiência têm o direito de aceder a todas as informações públicas em formatos acessíveis e solicitar e receber essas informações e expressar as suas ideias em igualdade de condições com os demais (art. 21.º). A comunicação deve ser fornecida em formatos à sua escolha, incluindo braille, língua gestual, tátil, formatos de leitura fácil e comunicação alternativa. É importante que a comunicação e a circulação da informação se faça nos dois sentidos e que os serviços e dispositivos sejam acessíveis às pessoas que usam diferentes formas de comunicação. É de particular importância que a informação sobre serviços de apoio e esquemas de proteção social, incluindo mecanismos relacionados com a deficiência, seja acessível e esteja disponível a partir de uma diversidade de fontes para permitir às pessoas com deficiência tomar decisões e escolhas informadas sobre onde, com quem e como viver e que tipos de serviços são os mais adequados. Também é de importância crítica que os mecanismos destinados a fazer observações e a formular queixas ofereça modos de comunicação acessível.
- Os Estados Partes devem assegurar que, na prestação dos serviços de apoio previstos no artigo 19.º, a privacidade, a família, o lar, a correspondência e a honra das pessoas com deficiência sejam protegidos de qualquer interferência ilegal (art. 22.º). No caso de tal interferência, devem existir serviços de monitorização, recursos legais e meios de reparação que levem em consideração a deficiência, género e idade para todas as pessoas com deficiência.
- O direito a viver de forma independente na comunidade está intimamente ligado ao direito dos filhos e dos pais com deficiência a viver em família (art. 23.º). A ausência de apoio e serviços baseados na comunidade, pode criar pressões financeiras e restrições para a família das pessoas com deficiência; os direitos consagrados no artigo 23.º da Convenção são essenciais para evitar que as crianças sejam retiradas das suas famílias e sejam institucionalizadas, bem como para apoiar as famílias na vida em comunidade. Esses direitos são igualmente importantes para garantir que as crianças não sejam tiradas dos seus pais devido à deficiência destes últimos. Os Estados Partes devem fornecer informações, orientação e apoio às famílias para garantir os direitos dos seus filhos e promover a inclusão e participação na comunidade.
- Viver de forma independente e ser incluído na comunidade está intrinsecamente ligado à educação inclusiva (art. 24.º) e requer o reconhecimento do direito das pessoas com deficiência de viver de forma independente e desfrutar da inclusão na sociedade e de nela participar[10]. A inclusão de pessoas com deficiência no sistema educacional geral favorece mais a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. A desinstitucionalização também implica a introdução da educação inclusiva. Os Estados Partes devem observar o papel que o exercício do direito à educação inclusiva terá na construção das competências, capacidades e conhecimento necessários para que todas as pessoas com deficiência desfrutem, beneficiem e contribuam para as suas comunidades.
- Os equipamentos e serviços de saúde polivalentes, que ofereçam hospitalização, serviços cirúrgicos e consultas médicas (seção 25), devem estar disponíveis para as pessoas com deficiência, devem estar localizados na proximidade, serem acessíveis e adaptados a estas e terem preços acessíveis; isso inclui o apoio exigido por algumas pessoas com deficiências (por exemplo, pessoas com necessidades complexas de comunicação, deficiências psicossociais ou intelectuais e / ou surdas). Os serviços de enfermagem, de fisioterapia, psiquiatria ou psicologia, tanto em hospitais como em casa, faz parte dos cuidados de saúde e deve ser considerada como uma obrigação a ser cumprida pelo Estado Parte ao abrigo do Artigo 25.º e não do artigo 19.º
As equipamentos e serviços gerais de saúde (art. 25.º) devem estar disponíveis, serem acessíveis, adaptáveis e aceitáveis para pessoas com deficiência nas comunidades, incluindo o apoio exigido por algumas pessoas com deficiência (com requisitos de comunicação complexos, deficiências psicossociais, deficiências intelectuais e surdos) durante as hospitalizações, cirurgias e consultas médicas. A disponibilização de enfermeiras, fisioterapeutas, psiquiatras ou psicólogos nos hospitais, bem como em casa, é uma parte dos cuidados de saúde e não deve ser visto como o cumprimento da obrigação de um Estado Parte nos termos do artigo 19.º, mas sob o artigo 25.º.
- Há interdependência entre vida independente na comunidade, habilitação e reabilitação (art. 26.º). Para algumas pessoas com deficiência, a participação em serviços de reabilitação não é possível se não receberem apoio individualizado suficiente. Ao mesmo tempo, o propósito da reabilitação é permitir que pessoas com deficiência participem plena e efetivamente na comunidade. A habilitação e reabilitação de uma pessoa com deficiência deve sempre respeitar o seu consentimento livre e esclarecido. A habilitação e a reabilitação são predominantemente relevantes em relação à educação, emprego, saúde e questões sociais.
- A existência de serviços de apoio individualizados, incluindo assistência pessoal, muitas vezes é uma pré-condição para o gozo efetivo do direito ao trabalho e ao emprego (art. 27.º). Além disso, as pessoas com deficiência devem também tornar-se empregadores, gestores ou formadores em serviços específicos de apoio a pessoas com deficiência. A implementação do artigo 19.º ajudará, assim, a eliminar o emprego protegido.
- Para assegurar que as pessoas com deficiência desfrutem de um padrão de vida adequado (art. 28.º), os Estados Partes devem fornecer, inter alia, acesso a serviços de apoio que lhes permitam viver de forma independente. Portanto, os Estados Partes têm a obrigação de garantir o acesso a serviços, dispositivos e outras formas de assistência de acordo com a deficiência que sejam apropriados e acessíveis, especialmente para as pessoas com deficiência que vivem na pobreza. Além disso, é necessário o acesso a programas habitacionais públicos e subsidiados na comunidade. Considera-se contrário à Convenção que as pessoas com deficiência paguem a expensas suas as despesas relacionadas com a deficiência.
- A fim de influenciar e tomar parte nas decisões que afetam o desenvolvimento da sua comunidade, todas as pessoas com deficiência devem gozar e exercer os seus direitos de participação na vida política e pública (art. 29), pessoalmente ou por meio das organizações que os representam. O apoio apropriado pode garantir uma assistência valiosa às pessoas com deficiência no exercício de seu direito de voto, de participar da vida política e de conduzir assuntos públicos. É importante assegurar que os assistentes ou outros funcionários de apoio não restrinjam ou abusem das opções que as pessoas com deficiência tomam no exercício do seu direito de voto.
- A vida cultural, recreativa, de lazer e o desporto (art. 30.º) são dimensões importantes da vida em sociedade através das quais a inclusão pode ser melhorada e alcançada, por exemplo, assegurando que os eventos, atividades e instalações sejam inclusivos e acessíveis a pessoas com deficiência. Os assistentes pessoais, guias, leitores, intérpretes de língua gestual e intérpretes táteis, entre outros, contribuem para uma vida inclusiva na comunidade de acordo com a vontade e as preferências das pessoas com deficiência. É importante que o uso de apoio de qualquer tipo seja considerado parte das despesas relacionadas com a deficiência, uma vez que tais serviços de apoio ajudam a promover a inclusão na comunidade e a vida independente. Os assistentes necessários para participar nas atividades culturais e de lazer devem estar isentos de pagar entrada. Tanto a nível nacional como internacional não deve haver restrições sobre quando, onde e para que tipo de atividades se pode usar a assistência.
- Os dados e informações devem ser sistematicamente desagregados (art. 31.º) devido à deficiência em todos os setores, inclusive no que diz respeito à habitação, condições de vida, esquemas de proteção social, bem como acesso à vida independente e apoio e serviços. A informação deve permitir análises regulares sobre o progresso da desinstitucionalização e da transição para serviços de apoio na comunidade. É importante que os indicadores reflitam as circunstâncias específicas de cada Estado Parte.
- A cooperação internacional (art. 32.º) deve ser conduzida de forma a garantir que a ajuda externa seja investida em serviços de apoio nas comunidades locais que respeitem a vontade e as preferências das pessoas com deficiência e que tenham o direito de escolher onde, com quem e sob que formas de vida querem viver, em conformidade com o artigo 19º. Investir dinheiro obtido no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento de novas instituições ou locais de confinamento ou modelos institucionais de cuidados não é aceitável, pois leva à segregação e isolamento de pessoas com deficiência.
- V. Implementação a nível nacional
A Comissão faz observar que os Estados Partes podem enfrentar desafios a nível nacional na implementação do direito a viver de forma independente e a ser incluído na sociedade. No entanto, de acordo com o conteúdo normativo e as obrigações descritas acima, os Estados Partes devem tomar as seguintes medidas para assegurar a plena implementação do artigo 19.º da Convenção:
(a) Revogar todas as leis que impedem qualquer pessoa com deficiência, independentemente do tipo de deficiência, de escolher onde, com quem e como viver, incluindo o direito de não ser internado com base na deficiência qualquer que ela seja;
(b) Promulgar e aplicar leis, normas e outras medidas com o objetivo de tornar as comunidades locais e o meio ambiente, bem como a informações e a comunicação acessíveis a todas as pessoas com deficiência;
(c) Assegurar que os programas de proteção social respondam às necessidades das pessoas com deficiência na sua diversidade e em igualdade de condições com as demais pessoas;
(d) Inscrever o princípio do desenho universal tanto para os espaços físicos como virtuais nas políticas, leis, normas e outras disposições, incluindo a monitorização da realização / implementação destas obrigações. Rever os seus códigos de construção para cumprir os princípios do desenho universal e as disposições legislativas relativas à construção, conforme descrito na observação geral n.º. 2 (2014) Acessibilidade da Comissão;
(e) Disponibilizar a todas as pessoas com deficiência direitos substantivos e processuais para viverem independentemente na comunidade;
(f) Informar as pessoas com deficiência sobre o seu direito a viver de forma independente e a ser incluído na comunidade para que possam compreendê-lo e presar formação com o objetivo de que as pessoas com deficiência aprendam como fazer valer seus direitos;
(g) Adotar estratégias claras e específicas para a desinstitucionalização com prazos específicos e orçamentos adequados, a fim de eliminar todas as formas de isolamento, segregação ou institucionalização de pessoas com deficiência. Deve ser dada atenção especial a pessoas com deficiências psicossociais e / ou intelectuais e crianças com deficiência atualmente colocados em instituições;
(h) Elaborar programas de consciencialização que combatam atitudes e estereótipos negativos sobre as pessoas com deficiência e consigam transformar a comunidade, num esforço para criar serviços tradicionais personalizados e acessíveis;
- i) Assegurar a participação das pessoas com deficiência, pessoalmente e através das suas organizações representativas, na transformação de serviços de apoio e das comunidades, na formulação e execução de estratégias de desinstitucionalização;
(j) Conceber políticas e disposições legislativas abrangentes e alocar recursos financeiros para a construção de habitação acessível e a preços razoáveis, ambiente construído, espaços públicos e transportes, definindo o tempo suficiente para a implementação e sanções efetivas, dissuasivas e proporcionais em caso de incumprimentos por parte das autoridades públicas ou privadas;
(k) Alocar recursos para o desenvolvimento de serviços de apoio adequados e suficientes autodirigidos pelas pessoas / utilizadores e auto gerenciados para todas as pessoas com deficiência, incluindo assistência pessoal, guias, leitores, intérpretes de língua gestual e outros profissionais;
- l) Organizar processos concursais para a prestação de serviços de apoio para que as pessoas com deficiência vivam de forma independente na comunidade e que tenham em conta o conteúdo normativo do artigo 19.º;
(m) Estabelecer mecanismos para monitorizar as instituições existentes e serviços residenciais existentes, as estratégias de desinstitucionalizações e a implementação da vida independente dentro da comunidade, tendo em mente o papel das estruturas de monitorização independentes; e
(n) A monitorização e a implementação previstas no artigo 19.º devem ser realizadas em plena consulta e participação das pessoas com deficiência por meio de suas organizações representativas.
* Tradução da Associação Portuguesa de Deficientes
[1] Ver Comissão dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, observação geral n.º 3 (1990) subre a natureza das obrigações dos Estados Partes, para. 1 e 2.
[2] Ver Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 22 Comissão dos Direitos Humanos observação geral n.º 27 (1997) sobre a liberdade de circulação, para. 1; Comissão dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, observação geral n.º 4 (1991) sobre o direito a habitação digna.
[3] Ver Comissão dos Direitos da Criança, observação geral n.º 9 (2006) sobre os direitos das crianças com deficiência , para. 47.
[4] Diretivas sobre o direito à liberdade e à segurança das pessoas com deficiência /A/72/55, anexo)
[5] Ver artigo 2 (para. 1) do Pacto Internacional relativo aos direitos económicos, sociais e culturais e o artigo 4. (para. 2) da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
[6] Ver observação geral n.º 3 da Comissão dos Direitos Económicos, Sociai e Culturais, para. 2,
[7] Carta datada de 16 de maio de 2012 dirigida aos Estados Partes no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelo Presidente da Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, disponível em : http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CESCR/Shared%20Documents/ 1_Global/INT_CESCR_SUS_6395_F.pdf.
[8] Ver Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, observação geral n.º 3 (2016) sobre mulheres e raparigas com deficiência
[9] Idem., par. 8,18,29 e 55
[10] Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência, observação geral n.º 4 (2016) sobre o direito à educação inclusiva